segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

O SEGREDO DO ARROZ



Tudo que eu precisava, desde menino, era saber quando falar e quando calar.
Nunca soube!...
Daí, minha mãe que se multiplicava por cinco ou mais personagens para dar conta de seu afazeres que eram muitos: mãe, professora, diretora, lavadeira, passadeira, costureira, conselheira, a contadora de histórias, cantora de canções de ninar, quitandeira, etc. etc. – Querem mais? Tem mais, mas sigo com a história.
Num momento de exaustão e desespero, rodeada por oito pentelhos que só sabiam aprontar e fazer o malfeito; ouvi-a clamar por ajuda: Ah! Dizia ela. Se eu encontrasse, ao menos alguém para fazer um arroz antes de eu chegar da escola (Grupo Escolar onde lecionava).
Parece que uma fada benfazeja a atendeu e me inspirou, pois imediatamente comecei a planejar ajuda-la.
Tinha que ser secreto, em segredo, já que aos cinco anos, andando com as mãozinhas sujas pela casa, descalço, vestindo apenas um calçãozinho ralíssimo e que vivia caindo devido ao esgotamento, pelo tempo, da capacidade elástica do elástico que devia contê-lo em minha cintura; acho que ninguém me confiaria tal missão.
Inteligente, pluriapto (como mais tarde a UnB me classificaria), inconsequente, decidido e incontido, vez que o segredo me protegia. Esperei o transcorrer da manhã até que fiquei sozinho na casa.
O fogo estava aceso, havia panelas dependuradas numa parede, o arroz ficava em uma lata grande alcançável, gordura, bem ali; sal no canto da prateleira, uma réstia de alho dependurada perto do fogão. Água disponível perto da cisterna.
Faltava o saber como (know how). Não sabia mas desconfiava.
Ligo o rádio e quem estava la´?!...
Um papagaio conselheiro e uma tal de Ana Maria Ilka Fraga Maranhão que se dizia expert em culinária e pesquisas aleatórias.
Aleatória eu não sabia o que queria dizer, mas culinária eu tinha certeza de que tinha alguma coisa a ver com cozinha.
- Ponha a panela no fogo, acrescente gordura a gosto, alho conforme o costume, meia colher de sopa de sal, uma boa quantidade de arroz e deixe fritar. (fiz tudo direitinho, conforme fui entendendo).
Ferva uma quantidade suficiente de água separadamente e vá acrescentando até cobrir bem o arroz. Fi-lo como qui-lo mas minha estatura não me permitia visualizar a panela a ponto de ver se cobrira bem o arroz.
A sra M.I. Fraga esqueceu-se de dizer que era necessário catar o arroz e de que tinha que lavar duas a três vezes. Pulei essa etapa mas descobri que não é de necessidade absoluta hoje em dia.
Porém, naquele tempo era!...
Mas, Deus ajudando, dava para que pessoas esfaimadas não percebessem.
Coloquei o arroz, três copos quando seriam necessários cinco ou seis, meia colher de sal (nessa eu acertei), gordura calculada em meia colher grande de fazer arroz, água medida num velho copão feito aproveitando uma antiga lata de palmito. Antes de por a agua deixei fritar o arroz e o alho por um certo tempo até sentir cheiro de alho frito. Pelo barulho da agua caindo, calculei que cobrira o arroz.
Aticei o fogo, tampei parcialmente a panela e fui rezar num cantinho da cozinha depois de desligar o rádio.
Algum tempo depois senti cheiro de arroz pregando no fundo da panela e concluí que minha colaboração estava pronta, feita e acabada.
E estava!.
Quando minha mãe chegou, apavorada como sempre para dar conta do almoço e ainda voltar para o período da tarde do educandário, vendo aquele belíssimo arroz pronto, quase foi às lágrimas de contentamento. Fez uma salada, refogou uma carne que já deixara picada e temperada, coberta com um pano de prato, num canto da prateleira (ninguém tinha geladeira à época). Temperou rapidamente o feijão que ficava a manhã inteira cozinhando lentamente num dos últimos buracos do fogão de lenha.
Sendo o arroz pouco, cada um recebeu uma colherada no canto do prato, acrescentou farinha, feijão, misturas e cada qual procurou um canto para se sentar e comer. De vez em quando uma pedrinha, um marinheiro, uma casquinha, um grão com umas listras de ferrugem. Porém, quando a banana é pouco e o macaco é muito: Tudo fica gostoso (assim diz o ditado).
Nunca se soube quem foi que que fez aquele arroz. Tentei dizer a verdade: não acreditaram devido ao meu tamanho e idade. Delação premiada: não aceitaram. Depoimento ao vivo: Me escorraçaram, exigiram testemunhas, levantaram tantos e tais argumentos contrários que até eu fiquei em dúvida.
Esse, o mais bem segredo guardado desde a Segunda Guerra, só hoje o revelo a vocês. Por favor não viralizem.
22/06/2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário