Morte Anunciada
E ainda
existem pessoas que creem firmemente que susto não mata.
Pois eu soube
de um susto que causou a morte num fim de dia, logo ao pôr do sol.
Em casa, sem
mais ter obrigações naquele dia, com a mente vazia como é do agrado do diabo, o
homem pensava coisas agradáveis para ir dando asas ao tempo e rarefazendo o
enfado.
Ao tentar
dar asa ao tempo, acabou dando também asas à imaginação
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Jovem, bonita, louçã, cheinha nas áreas
certas, convexa onde devia e graciosa, alegre, espontânea, risonha e ainda com
umas fartas pitadas daquela inocência que encoraja o pecador. Essa a cartomante que de quando em vez
aparecia na casa, ficava esperando a cliente, e estava sempre usando o celular
e cantarolando músicas atuais.
Fim de
tarde, solidão, mente vazia, ocasião e o coitado ali exposto e passível de seguir
algum parágrafo da cartilha do capiroto.
Houve o
momento, a distância mínima propícia, o encorajamento maldito, a sutileza do
gesto, a indução sutil, despretensiosa; a aceitação anuída e disfarçada dela que
animava sem dizer palavra alguma e sem se comprometer sequer levemente.
O fato é que num gesto banal, pretencioso, mas quase inocente; o homem deixou que a mão pousasse levemente nos cabelos dela e depois os penteasse por instantes abrindo os dedos e tocando-lhe a cabeça.
Um
fluxo de emanações percorreu lhe a mão, evoluiu pelo braço e perpassou todo seu
ser, como uma nuvem sutil de sensações agradáveis, irresistíveis e envolventes. Somos apenas ínfimas porções do
universo. A natureza exerce em nós suas leis, tim-tim
por tim-tim.
O que há de
vir virá.
A mente, não só obedece como ainda mergulha
numa torrente de ilusões que torna possível o impossível e realiza como se
consequências não importassem.
Em seu peito
o coração batia apressado num compasso ao qual ele já se habituara.
Vez por
outra uma extrassístole surgia numa falha rápida e assintomática.
O batimento,
agora apressado, diminuía as falhas, mas exigia mais das coronárias em duas das
quais, stents já se faziam presentes e o tinham poupado em determinada ocasião em
que dores no peito o levaram a um centro de cardiologia onde foi salvo e
proibiram-lhe o cigarro e as fortes emoções. O cigarro ficara no passado.
A emoção,
embora agradável, já era tensa e máxima.
Então, de
repente, a porta começa a se abrir e uma voz de longa convivência, conhecida e inconfundível,
chama pelo seu nome.
Um raio que
caísse do céu não teria efeito tão fulminante sobre ele.
Ainda com o gesto
preso na mão, a expressão congelada no rosto, o olhar a um só tempo surpreso e
luminoso; caiu ajoelhado e depois tombado com uma das mãos comprimindo o peito
como se pudesse acudir o coração que parava impregnado de emoção e carente de
oxigênio.
Ninguém
chegou a perceber seu pecado.
O julgamento ficou para um tribunal do outro
mundo onde a natureza humana é analisada e entendida em toda sua complexidade e
nuances
. Daí que os
vereditos serão sempre surpreendentes para nós os seres vivos limitados e imperfeitos.
Com pouco
tempo tudo se arranjou na casa.
A ausência
dele rapidamente se desfez, vez que com o coração que tinha, suas funções na
casa já eram poucas e de escassa importância.
Vivia causando
preocupações e gastando quase toda sua renda com tratamentos intermináveis.
A renda
virou pensão e equilíbrio financeiro na casa. A felicidade, pouco a pouco voltou ao lar.
Para ele
também que foi para um lugar tão bom, se sentindo tão leve, lépido, sem medos,
sem cansaço, tão pleno de alegria e ânimo, que só podia estar no céu; onde não há
pecado em ser feliz, as felicidades têm tal natureza que não ferem ninguém, e
os corações batem livremente sem temor de infartos ou paradas súbitas.
Foi, não sem
antes passar por um júri de vozes.
Tendo
morrido como pena pelo pecado, considerou-se que já pagara por uma fraqueza
mais social que natural e que seus atos bons por toda a vida pesavam muito mais
que um ato impulsivo de um homem sem futuro e sem esperança, tentado pela mais
tentadora das tentações, nas mais propícias condições de distância,
luminosidade, temperatura, solidão e consentimento deduzido. Fora humano e nada
mais. Concluiu o júri, abrindo-lhe as
portas do paraíso, onde entrou ainda um pouco incrédulo.
Rilmar - 12 a 15 de agosto 2021