Segredos não são eternos. Podemos
guardá-los no mais recôndito escaninho de nosso ser, no mais secreto da alma e,
mesmo assim, um dia ele escapa e se revela. Essas casas, essas janelas, essa
sacada; tudo me faz lembrar tão fortemente um tempo, um viver, umas gentes e,
finalmente, uma pessoa. O significado de tudo, o porquê das coisas, o motivo, a
vida enfim, aconteciam pela presença dela. Eram uns olhos negros, irisados de
um castanho brilhante. Era um rosto meigo e lindo no qual fulgia um
sorriso branco e pleno de uma alegria cativante e juvenil. Eram gestos
delicados e graciosos. Era uma presença em uma daquelas janelas que provocava
mil sentimentos dentro de meu peito e tornava tudo luminoso e repleto de
irradiante alegria. Era um amor proibido e inatingível o qual, por mais que que
eu trabalhasse de sol a sol, por mais que minha enxada tilintasse nas pedras e
rebrilhasse ao sol escaldante; por mais que eu quisesse, me atrevesse e
pretendesse: Não era para mim. Ainda assim eu amei, me embebi nos seus olhares,
tive imensas noites de insônia e de sonos povoados de sonhos maravilhosos onde
nós dois vivíamos coisas tão intensas, tão plenas e tão impossíveis que só
podiam existir nos meus sonhos. Ainda assim me maravilhei com os sons de seus
sorrisos e de sua voz; com seus trejeitos, com seus claros e indisfarçáveis
modos de mostrar que me percebia, me correspondia e até sabia a hora que eu
voltava da roça e então aparecia na janela, às vezes, com uma florzinha presa
nos cabelos e, sempre com aquele sorrisinho juvenil iluminando seu rostinho
encantador. - -Não era para mim, não foi minha. No entanto, as lembranças...
Ah!... Essas ninguém me rouba. São minhas e seguirão comigo. Olhando essas
casas, uma magia acontece e essas lembranças borbulham e brotam, ainda que não
seja propriamente esse o lugar, ainda que não sejam exatamente essas as janelas.
-- Rilmar
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
MENINA NA JANELA
dele.
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Rilmar José Gomes compartilhou a foto de Maria Amélia Carneiro.
Segredos não são eternos. Podemos
guardá-los no mais recôndito escaninho de nosso ser, no mais secreto da alma e,
mesmo assim, um dia ele escapa e se revela. Essas casas, essas janelas, essa
sacada; tudo me faz lembrar tão fortemente um tempo, um viver, umas gentes e,
finalmente, uma pessoa. O significado de tudo, o porquê das coisas, o motivo, a
vida enfim, aconteciam pela presença dela. Eram uns olhos negros, irisados de
um castanho brilhante. Era um rosto meigo e lindo no qual fulgia um
sorriso branco e pleno de uma alegria cativante e juvenil. Eram gestos
delicados e graciosos. Era uma presença em uma daquelas janelas que provocava
mil sentimentos dentro de meu peito e tornava tudo luminoso e repleto de
irradiante alegria. Era um amor proibido e inatingível o qual, por mais que que
eu trabalhasse de sol a sol, por mais que minha enxada tilintasse nas pedras e
rebrilhasse ao sol escaldante; por mais que eu quisesse, me atrevesse e
pretendesse: Não era para mim. Ainda assim eu amei, me embebi nos seus olhares,
tive imensas noites de insônia e de sonos povoados de sonhos maravilhosos onde
nós dois vivíamos coisas tão intensas, tão plenas e tão impossíveis que só
podiam existir nos meus sonhos. Ainda assim me maravilhei com os sons de seus
sorrisos e de sua voz; com seus trejeitos, com seus claros e indisfarçáveis
modos de mostrar que me percebia, me correspondia e até sabia a hora que eu
voltava da roça e então aparecia na janela, às vezes, com uma florzinha presa
nos cabelos e, sempre com aquele sorrisinho juvenil iluminando seu rostinho
encantador. - -Não era para mim, não foi minha. No entanto, as lembranças...
Ah!... Essas ninguém me rouba. São minhas e seguirão comigo. Olhando essas
casas, uma magia acontece e essas lembranças borbulham e brotam, ainda que não
seja propriamente esse o lugar, ainda que não sejam exatamente essas as janelas.
-- Rilmar
Ipameri Personalizada
dele.
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Ipameri é uma cidade personalizada. Ninguém desiste,
ninguém desgruda, ninguém esquece. Quando eu digo que sou ipamerino
imediatamente ecoa, repercute, acontecem respostas e manifestações de outros
ipamerinos pois temos muitos pontos de identidade. Na moral, nas crenças, na
cultura, no amor comum a esse nosso pedaço de Brasil que tem nome, tem charme
próprio, tem digital, tem uma história da qual cada um de nós se sente
partícipe, influenciador e influenciado, criador e criatura, filho e com a
responsabilidade e o afeto de genitor pois genitores somos todos nós desde os
primeiros pioneiros que estabeleceram seus primórdios, passando pelos
incontáveis sucessores onde nos incluímos, até o mais recente ipamerino que,
com certeza vai continuar a participar de sua preservação e do seu
crescimento. --Somos orgulhosamente de Ipameri mas, também Ipameri é nossa.
Tanto é nossa essa praça, essa igreja essas casas, como são nossos cada
arrebalde, -cada cantinho, cada lenda, cada -história; assim como o conteúdo
-artistico, científico e cultural. -Parabéns Ipameri. Parabéns ipamerinos de
todas as épocas. Parbéns à Beth, à prefeita e a cada um que está empenhado em
que esta data fique marcada. Nossa cidade merece!...
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Setembro de 2013
IPAMERI Um
Dia Eu Volto
Volto
sim.... e te reconstituo ao jeito, tempo, modos e maneiras como te deixei. Com
as ruas ladeadas por canteiros de gramas, com as sarjetas de pedra. E as
calçadas rústicas, e as casas habitadas por pessoas receptivas, simpáticas e
conhecidas. Alguns cachorros nas ruas. Bares, farmácias, armazéns, padarias e
açougues tudo colocado em pontos sabidos e conhecidos. Horários de
funcionamento sobejamente sabidos.
Voltando eu te refaço. Reconstruo cada detalhe da cidade que deixei. Também eu me reconstituo e corrijo rumos e caminhos que naquela época deixei de percorrer ou o fiz de maneira equivocada e assim, não cheguei a tempo e a hora onde queria.
Quero minha cidade do mesmo jeito, quero ser aquele menino que andava pela vida cheio de sonhos. Porei juízo naquela cabeça para que sonhe só sonhos de ficar, de não ir embora, de não abrir mão daquele mundo, por nada.
Vou dizer às pessoas que as quero, que são importantes para mim, que há uma interação indissolúvel entre cada uma delas e meu viver.
Vou me declarar aos amores que pretendi e nem sequer cheguei a dizer isso a qualquer delas. Ficou, pois, esse segredo preso e irrespondido dentro de mim. Seriam nãos com certeza. Mas teriam que ter sido ditos. Voltando no tempo e no espaço, eu os direi. Vou me reconciliar com muita gente. Vou pedir desculpas. Vou abrir o coração.
Quero você de novo Ipameri. Quero andar em ruas quase sem carros; caminhar em silêncio chutando pedrinhas ou caroços de mangas; distraído, pensando mil coisas, ouvindo pessoas me alertarem amistosamente.
Meus quintais imensos indo até o córrego na rua Goiás.
Quero dormir ouvindo músicas dos parques de diversões instalados na praça do rosário.
O jardim, as moças passeando de braços dados, indo e vindo, andando
na calçada da praça. Os sinos chamando para a missa, a Ave-Maria tocada na torre da Igreja. Católicos e crentes fervorosos recomendando vida reta e comportamentos cristãos.
A simplicidade. O barulho dos trens de carga nas madrugadas vindo num crescendo se aproximando e depois irem se afastando na imensidão da noite até mergulharem lentamente no silêncio da distância, minha mãe atenta, comovida e nos ensinando os sentimentos que isso inspirava, o rumor e burburinho dos trens de passageiros. O ribeirão piscoso, acolhedor,amigo; o Rio do Braço cuja distância de légua e meia era considerada longe para se ir à pé.
Quero percorrer minhas escolas; abraçar colegas; trabalhar de novo na Tipografia Minerva, no Umuarama. E vagar pelos cerrados, pelas beiras de córregos, subir nas mangueiras frondosas tentando pegar a última e derradeira manga que se exiba nas grimpas de um pé de manga desafiando a molecada.
Volto sim e é para ficar e nunca mais te deixar.
Se esse amor ainda não declarei da maneira devida e no tom tonitroante que meu peito clama; agora o faço: EU TE AMO IPAMERI!
Voltando eu te refaço. Reconstruo cada detalhe da cidade que deixei. Também eu me reconstituo e corrijo rumos e caminhos que naquela época deixei de percorrer ou o fiz de maneira equivocada e assim, não cheguei a tempo e a hora onde queria.
Quero minha cidade do mesmo jeito, quero ser aquele menino que andava pela vida cheio de sonhos. Porei juízo naquela cabeça para que sonhe só sonhos de ficar, de não ir embora, de não abrir mão daquele mundo, por nada.
Vou dizer às pessoas que as quero, que são importantes para mim, que há uma interação indissolúvel entre cada uma delas e meu viver.
Vou me declarar aos amores que pretendi e nem sequer cheguei a dizer isso a qualquer delas. Ficou, pois, esse segredo preso e irrespondido dentro de mim. Seriam nãos com certeza. Mas teriam que ter sido ditos. Voltando no tempo e no espaço, eu os direi. Vou me reconciliar com muita gente. Vou pedir desculpas. Vou abrir o coração.
Quero você de novo Ipameri. Quero andar em ruas quase sem carros; caminhar em silêncio chutando pedrinhas ou caroços de mangas; distraído, pensando mil coisas, ouvindo pessoas me alertarem amistosamente.
Meus quintais imensos indo até o córrego na rua Goiás.
Quero dormir ouvindo músicas dos parques de diversões instalados na praça do rosário.
O jardim, as moças passeando de braços dados, indo e vindo, andando
na calçada da praça. Os sinos chamando para a missa, a Ave-Maria tocada na torre da Igreja. Católicos e crentes fervorosos recomendando vida reta e comportamentos cristãos.
A simplicidade. O barulho dos trens de carga nas madrugadas vindo num crescendo se aproximando e depois irem se afastando na imensidão da noite até mergulharem lentamente no silêncio da distância, minha mãe atenta, comovida e nos ensinando os sentimentos que isso inspirava, o rumor e burburinho dos trens de passageiros. O ribeirão piscoso, acolhedor,amigo; o Rio do Braço cuja distância de légua e meia era considerada longe para se ir à pé.
Quero percorrer minhas escolas; abraçar colegas; trabalhar de novo na Tipografia Minerva, no Umuarama. E vagar pelos cerrados, pelas beiras de córregos, subir nas mangueiras frondosas tentando pegar a última e derradeira manga que se exiba nas grimpas de um pé de manga desafiando a molecada.
Volto sim e é para ficar e nunca mais te deixar.
Se esse amor ainda não declarei da maneira devida e no tom tonitroante que meu peito clama; agora o faço: EU TE AMO IPAMERI!
domingo, 17 de dezembro de 2017
Procura-se: - Mais Morto do que Vivo
SÁBADO, 31 DE OUTUBRO DE 2009
Procura-se Mais Morto do que Vivo
Procura-se um Ser Humano17
Ajudem nessa busca.
Cidadão de estatura mediana; cor indefinida; aproximadamente moreno; meio preto, meio branco, meio índio; o qual costuma persignar-se antes de mergulhar de um barranco no rio; pede ajuda a Deus para as mínimas decisões; dorme agarrado às saias de Nossa Senhora; se benze duas a três vezes antes de se levantar.
Procura-se um cidadão comum que tenha tomado Panvermina para expulsar lombrigas, quando criança; que já tenha feito várias limpezas nos intestinos com óleo de Rícino; use pílulas de vida de quando em vez; cuide dos rins com pílulas de lússem; que trate suas azias com Magnésia Bisurada; resolva dor-de-barriga com Elixir Paregórico; espante espíritos e mau-olhado com arruda e guiné; que trate suas bronquites com açúcar queimado e casca de laranja.
Procura-se alguém que acredite piamente em Deus e nos Santos todos; se preocupe com as almas do purgatório e reze para elas na hora de dormir; que dê esmolas na porta da igreja para agradar a Deus; preste atenção à missa; seja capaz de rezar um terço contritamente;
Que evite lugares mal-assombrados e apresse o passo ao passar por cemitérios.
Procura-se um cidadão muito antigo, para quem o respeito é um fundamento de vida; a honra uma virtude que deve ser mantida, revigorada e polida continuamente; a amizade observe a honra e o respeito, mas se componha também de amor e tolerância.
Procura-se um ser digno, trabalhador, batalhador e que ache importante ter amigos e companheiros; que vibre com o êxito dos outros, reconheça suas fraquezas sem se sentir derrotado.
Procura-se um pacificador capaz de se calar; de tecer elogios; de rir e chorar; de dar o conselho oportuno; de não desagregar e de se esforçar para unir.
Procura-se alguém que ouviu falar de bomba Atômica como algo distante e abstrato; imagine a guerra como coisa inútil; que não sabe onde a pátria começa ou acaba; não entende direito porque é que o governo manda; que cumpre a lei casualmente porque seu código de conduta se encaixa nela.
Procura-se um cidadão com marca de vacina anti-varíola, com a boca amarga de quina, com um leve bafo de pinga, com fígado palpável e dolorido; talvez com disfagia; talvez com obstipação intestinal ; com história de ofidismo, contato com o barbeiro, picado de escorpião, lacraia e formiga Cabo-Verde.
Um cidadão que já rezou nas tempestades, se afligiu com as estiagens; já perdeu; já bamburrou; nasceu de parto domiciliar; acompanhou enterros chorando; já riu vendo um filho nascer; campeou inutilmente um animal sumido, ajudou parto de bezerro, curou bicheiras.
Procura-se um cidadão que perambulou nas ruas da cidade; estudou em cursos noturnos; andou na chuva sem ter dinheiro para o ônibus; comeu o pão que o diabo amassou, com a melhor boca do mundo e agradecido.
Um cidadão que enquanto sobrevivia venceu, entendeu, tomou consciência. Ainda que essa consciência seja só um desconfiar confuso; que o entendimento seja mínimo e que a vitória seja quase um nada.
Procura-se esse transeunte que contém a essência de um povo.
Rilmar José Gomes - 07/08/199
Ajudem nessa busca.
Cidadão de estatura mediana; cor indefinida; aproximadamente moreno; meio preto, meio branco, meio índio; o qual costuma persignar-se antes de mergulhar de um barranco no rio; pede ajuda a Deus para as mínimas decisões; dorme agarrado às saias de Nossa Senhora; se benze duas a três vezes antes de se levantar.
Procura-se um cidadão comum que tenha tomado Panvermina para expulsar lombrigas, quando criança; que já tenha feito várias limpezas nos intestinos com óleo de Rícino; use pílulas de vida de quando em vez; cuide dos rins com pílulas de lússem; que trate suas azias com Magnésia Bisurada; resolva dor-de-barriga com Elixir Paregórico; espante espíritos e mau-olhado com arruda e guiné; que trate suas bronquites com açúcar queimado e casca de laranja.
Procura-se alguém que acredite piamente em Deus e nos Santos todos; se preocupe com as almas do purgatório e reze para elas na hora de dormir; que dê esmolas na porta da igreja para agradar a Deus; preste atenção à missa; seja capaz de rezar um terço contritamente;
Que evite lugares mal-assombrados e apresse o passo ao passar por cemitérios.
Procura-se um cidadão muito antigo, para quem o respeito é um fundamento de vida; a honra uma virtude que deve ser mantida, revigorada e polida continuamente; a amizade observe a honra e o respeito, mas se componha também de amor e tolerância.
Procura-se um ser digno, trabalhador, batalhador e que ache importante ter amigos e companheiros; que vibre com o êxito dos outros, reconheça suas fraquezas sem se sentir derrotado.
Procura-se um pacificador capaz de se calar; de tecer elogios; de rir e chorar; de dar o conselho oportuno; de não desagregar e de se esforçar para unir.
Procura-se alguém que ouviu falar de bomba Atômica como algo distante e abstrato; imagine a guerra como coisa inútil; que não sabe onde a pátria começa ou acaba; não entende direito porque é que o governo manda; que cumpre a lei casualmente porque seu código de conduta se encaixa nela.
Procura-se um cidadão com marca de vacina anti-varíola, com a boca amarga de quina, com um leve bafo de pinga, com fígado palpável e dolorido; talvez com disfagia; talvez com obstipação intestinal ; com história de ofidismo, contato com o barbeiro, picado de escorpião, lacraia e formiga Cabo-Verde.
Um cidadão que já rezou nas tempestades, se afligiu com as estiagens; já perdeu; já bamburrou; nasceu de parto domiciliar; acompanhou enterros chorando; já riu vendo um filho nascer; campeou inutilmente um animal sumido, ajudou parto de bezerro, curou bicheiras.
Procura-se um cidadão que perambulou nas ruas da cidade; estudou em cursos noturnos; andou na chuva sem ter dinheiro para o ônibus; comeu o pão que o diabo amassou, com a melhor boca do mundo e agradecido.
Um cidadão que enquanto sobrevivia venceu, entendeu, tomou consciência. Ainda que essa consciência seja só um desconfiar confuso; que o entendimento seja mínimo e que a vitória seja quase um nada.
Procura-se esse transeunte que contém a essência de um povo.
Rilmar José Gomes - 07/08/199
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
O Salvacionista Plastico
O Salvacionista Plástico
Na realidade, essa esperteza que se nota facilmente em mim, já estava presente desde quando minha mãe me deu à luz. (tsc... tsc)
Ainda nos primeiros momentos já fui usufruindo desse dom. Assim, no berçário, eu era o primeiro a receber a mamadeirinha; chuca. Embora todos os nenéns chorassem a plenos pulmões, eu acrescentava ao meu choro uns esperneios e umas bebidas de fôlego tais que a enfermeira não se continha, logo me pegava, me acalentava e ficava feliz ao me ver calminho, dando aquele sorrisinho agradecido e grudando na chuquinha de chá ou leite materno.
Pela vida afora continuei sendo sempre aquele pestinha do olho limpo, falado.
Zanzei pelo curso primário, meio perdido, meio alienado, mas feliz, brincando, jogando futebol, tendo umas apaixonites que logo se curavam pois não podiam ser mais que platônicas e sempre muito secretas. No ginasial me apertaram exigindo dedicação e mais disciplina e aí eu fui me descobrindo, percebendo meus caminhos.
O científico foi de descobertas de uns aspectos incríveis das ciências que explicavam tudo de fenômenos inexplicáveis até então para mim e que me cercavam e estavam por toda parte.
Veio o Vestibular: - Faturei firme... tsc... tsc... tsc.
Curso de medicina: - Moleza... tsc... tsc..
Escolha de especialidade: Parti para a Cirurgia Plástica.
Folgado na Residência, contando com ajuda financeira de meus pais, sempre presentes; aplicado; feliz; já adivinhando uma clientela bonita, saudável; financeiramente abonada.
A residência foi longa, trabalhosa, cansativa, extenuante mas incrivelmente rica em conhecimentos, treinamento e amadurecimento.
Formado, residenciado, cheio de planos; parti para o mundo.
Fui sempre me dando bem e fazendo o nome de cirurgião plástico inteligente, competente, dedicado, simpático, bem-falante e caprichoso. Os honorários eram muito satisfatórios e frequentes.
- Daí, veio a crise!...
Uma sequência de maus governos sucessivos, inconsequentes, despreparados, permissivos etc, etc. Resultou na chamada recessão. Recessão é terrível!
E, a clientela sumiu.
No hospital todo mundo coçava a cabeça e andava de um lado para o outro preocupados e fazendo cálculos e mais cálculos.
Todos os setores foram atingidos. Nem os doentes corriqueiros pareciam.
Até os partos escassearam.
A pediatria vazia, e os pediatras saudosos da barulheira infernal de crianças chorando, e das veias difíceis, e das fraldas molhadas, das fraldas cheias, dos vômitos, das eructações pós mamadas. Até as variações odoríficas da pediatria cheia estavam fazendo falta.
- A falência nos rondava.
Costumam lembrar de mim, em momentos tão difíceis assim. Quando a saída parece não existir. Vieram me procurar.
A coisa estava tão feia que também a plástica fora ferozmente afetada.
Pensei, pensei e, de repente; uma luz súbita clareou meu pensamento. Um insight mágico, oportuno e luminoso.
Vamos lançar a moda da mulher de três mamas!...
????...!!!! – Exclamaram.
Sem entender a princípio, sem saída e preocupadíssimos.
- Aceitaram.
Partimos para a luta. Ou seja, para a divulgação.
Programa do Faustão, Jô Soares à Meia-Noite, novela das oito, currículos escolares alardeando a liberdade de escolha, boca a boca, cartazes nos botecos, nas borracharias, nos postos de saúde; reunião com as famílias, conscientização, apelo para o politicamente correto e, mais e mais.
Passou o tempo, meses talvez, e o convencimento se tornou uma bolinha de neve impregnada de hormônio do crescimento. Deus, como que aprovou a ideia. Uma frente fria se fez presente com seus ventos gelados, os casais passaram a dormir mais cedo e agarradinhos, a terem novas fantasias e, não sei bem porque, a bolinha de neve cresceu.
Começaram a se formar filas nos consultórios de plástica.
Mulheres com silicone nas duas mamas vinham atrás da terceira mama, propiciando cirurgias e mais cirurgias pois não aceitavam argumentos contrários. Estavam conscientizadas. Era a moda. As Virgens de tratamento; ou seja, de silicone, já vinham querendo colocar nas duas mamas e preparar o local para o implante da terceira.
Os homens que já eram presas fáceis para as irresistíveis mulheres de duas mamas, passaram a investir alucinados nas de três.
A atração irresistível levou logo a um ganho na libido e ao consequente aumento da fertilidade de cá, e de lá. E toma de mulher engravidar e procurar ginecologistas para o pré-natal, e toma de partos e de neonatos necessitando pediatras. Com pouco mais de tempo, os consultórios dos pediatras se abarrotavam.
Tivemos, infelizmente, em pouco prazo, que aumentar os preços das cirurgias para terceira mama, para regular o consumo e aliviar ou pouco o setor de cirurgias plásticas.
Reprimir demanda é complicado e, às vezes, foge um pouco do controle. Então tivemos que calcar ainda mais a mão nos preços.
A prazo;
Parcelado;
A vista;
Com recibo;
Sem recibo;
Tivemos que aumentar o preço de tudo antes que o volume de procura afetasse a qualidade.
Também os outros setores do hospital tiveram que, provavelmente, adotar suas providências.
Acho que o resultado, a longo prazo, foi o equilíbrio, com satisfação geral de mulheres, maridos, amantes, namorados, das crianças que aos magotes passaram a brincar alegremente nas ruas; das avós que se enchiam, cada vez mais, de lindos netos; das madrinhas que batizavam até três bebês de uma mesma família.
Até a igreja, a medida em que aumentavam os batizados, parece ter gostado, pois abençoava abundantemente a ideia que virou projeto.
Falavam de alguns cientistas que eram contrários, mas não tinham ainda trabalhos
publicados.
Como os bebês mamavam, mamavam e mamavam; originou-se uma geração com incrível equilíbrio emocional e saúde imunológica invejável.
Graças à ideia da terceira mama, um mar de felicidade e alegre convivência nas ruas e nos lares, invadiu a região e vem se perseverando até nossos dias.
10/07/ 2017 - Rilmar
SOU FRANCISCO
SOU FRANCISCO
(Rilmar)
Sou Francisco como o Santo de Assis que emanava exemplos de humildade, mansidão, resignação e simplicidade.
Francisco para mim, foi mais profecia que escolha pela beleza do nome.
Aquela que me gestou, que me teve, acalentou e me nutriu; adivinhou a minha sina; e, por sina fui batizado Francisco.
Não calço as franciscanas sandálias do santo de Assis, pois dos pés restam pouco mais que metades. Humilde, resignado e manso hei de andar mundo afora porém, sapatos especiais terão que ajudar em meu equilíbrio e proteger meus pés.
As longas vestes que outrora Francisco usou, não usarei, mas seriam proteção e talvez amenizassem a aparência de um dos braços do qual perdi mais da metade.
Sou Francisco de nome, de humildade, de resignação, de fé, de inquebrantável busca pela vida e da confiança que nutro por todas essas pessoas que me cercam e cujas boas ações certamente semearei sobre meus semelhantes.
Francisco sou, filho do Deus altíssimo, em cujo amor confio, do qual tudo espero e a quem, como Jó, não deixo de amar.
O Deus altíssimo meu senhor e criador, deve saber porque eu, vindo do trabalho, da dura lida de toda a vida; de repente pisei num fio de alta tensão que escondido na relva, como uma terrível serpente, me aguardava. Dor, imensa dor, choques, clarões, relâmpagos em minha mente, uma energia insuportável e destruidora percorreu meu corpo contraindo cada um de meus músculos, envolvendo meu cérebro e me levando a convulsões, à inconsciência e a uma espécie de morte.
A morte me levou... levou... O mundo sumiu... e mergulhei no nada.
Mas, voltei!... Por obra de Deus eu voltei.
Voltei para estar ora em uma UTI, ora no Centro Cirúrgico, padecer todos os padecimentos, todos os sofreres imagináveis. Dor, tristeza, desesperança, saudades, febres, angústias, medos.
Voltei também para conhecer um ambiente de atenções, amizade, tratamentos, os mais variados; desde cuidados com a higiene, os mais íntimos, os mais humilhantes e vergonhosos para mim; os mais difíceis e repugnantes, talvez, para quem me cuidava. E, eram anjos, abnegados anjos que circundavam meu leito. Também a mais fina ciência capaz de entender o menor e mais sutil desequilíbrio de meus fluidos corporais e corrigi-lo; os mais complexos procedimentos cirúrgicos feitos uma, duas, três... incontáveis vezes, sempre sujeitos a riscos, mas indispensáveis e direcionados a permitir que eu continuasse vivo, a que eu sobrevivesse.
Vieram também certas e duras decisões. Difíceis decisões para a equipe médica, indispensáveis para a vida, quase insuportáveis para mim. Decisões que redundaram em inevitáveis amputações de partes dos meus pés e grande parte de meu braço esquerdo.
Mil profissionais debruçaram-se sobre mim em cuidados e avaliações. Incontáveis colheitas de sangue. Incalculáveis punções, curativos dolorosos, jejuns, mobilizações no leito. Mil profissionais falaram comigo me animando, tentando me energizar, elevando meu astral. Mil profissionais trocaram ideias, balançaram cabeças, fizeram cálculos, analisaram exames e tomaram decisões no afã de me salvar.
E a vitória veio. Salvo fui.
Sou Francisco por sina. Deus me quis Francisco e, mesmo sem as sandálias, as vestes longas, as mãos pródigas em bens para distribuir e plenas de graças do Deus altíssimo; Francisco sou e cumpro minha sina. Sina de humilde proceder. De resignado olhar; de fé imensa e crença inabalável (também como Jó), de que Deus me ama.
Francisco sou, filho de Deus. Francisco querendo a vida. Querendo andar e levar uma palavra, um testemunho, uma mensagem ao meu próximo, ao meu semelhante, a quem eu possa passar algo de bom conforme recebi e conforme esse irmão necessite.
(abril de 2015)
Sou Francisco
SOU FRANCISCO
(Rilmar)
Sou Francisco como o Santo de Assis que emanava exemplos de humildade, mansidão, resignação e simplicidade.
Francisco para mim, foi mais profecia que escolha pela beleza do nome.
Aquela que me gestou, que me teve, acalentou e me nutriu; adivinhou a minha sina; e, por sina fui batizado Francisco.
Não calço as franciscanas sandálias do santo de Assis, pois dos pés restam pouco mais que metades. Humilde, resignado e manso hei de andar mundo afora porém, sapatos especiais terão que ajudar em meu equilíbrio e proteger meus pés.
As longas vestes que outrora Francisco usou, não usarei, mas seriam proteção e talvez amenizassem a aparência de um dos braços do qual perdi mais da metade.
Sou Francisco de nome, de humildade, de resignação, de fé, de inquebrantável busca pela vida e da confiança que nutro por todas essas pessoas que me cercam e cujas boas ações certamente semearei sobre meus semelhantes.
Francisco sou, filho do Deus altíssimo, em cujo amor confio, do qual tudo espero e a quem, como Jó, não deixo de amar.
O Deus altíssimo meu senhor e criador, deve saber porque eu, vindo do trabalho, da dura lida de toda a vida; de repente pisei num fio de alta tensão que escondido na relva, como uma terrível serpente, me aguardava. Dor, imensa dor, choques, clarões, relâmpagos em minha mente, uma energia insuportável e destruidora percorreu meu corpo contraindo cada um de meus músculos, envolvendo meu cérebro e me levando a convulsões, à inconsciência e a uma espécie de morte.
A morte me levou... levou... O mundo sumiu... e mergulhei no nada.
Mas, voltei!... Por obra de Deus eu voltei.
Voltei para estar ora em uma UTI, ora no Centro Cirúrgico, padecer todos os padecimentos, todos os sofreres imagináveis. Dor, tristeza, desesperança, saudades, febres, angústias, medos.
Voltei também para conhecer um ambiente de atenções, amizade, tratamentos, os mais variados; desde cuidados com a higiene, os mais íntimos, os mais humilhantes e vergonhosos para mim; os mais difíceis e repugnantes, talvez, para quem me cuidava. E, eram anjos, abnegados anjos que circundavam meu leito. Também a mais fina ciência capaz de entender o menor e mais sutil desequilíbrio de meus fluidos corporais e corrigi-lo; os mais complexos procedimentos cirúrgicos feitos uma, duas, três... incontáveis vezes, sempre sujeitos a riscos, mas indispensáveis e direcionados a permitir que eu continuasse vivo, a que eu sobrevivesse.
Vieram também certas e duras decisões. Difíceis decisões para a equipe médica, indispensáveis para a vida, quase insuportáveis para mim. Decisões que redundaram em inevitáveis amputações de partes dos meus pés e grande parte de meu braço esquerdo.
Mil profissionais debruçaram-se sobre mim em cuidados e avaliações. Incontáveis colheitas de sangue. Incalculáveis punções, curativos dolorosos, jejuns, mobilizações no leito. Mil profissionais falaram comigo me animando, tentando me energizar, elevando meu astral. Mil profissionais trocaram ideias, balançaram cabeças, fizeram cálculos, analisaram exames e tomaram decisões no afã de me salvar.
E a vitória veio. Salvo fui.
Sou Francisco por sina. Deus me quis Francisco e, mesmo sem as sandálias, as vestes longas, as mãos pródigas em bens para distribuir e plenas de graças do Deus altíssimo; Francisco sou e cumpro minha sina. Sina de humilde proceder. De resignado olhar; de fé imensa e crença inabalável (também como Jó), de que Deus me ama.
Francisco sou, filho de Deus. Francisco querendo a vida. Querendo andar e levar uma palavra, um testemunho, uma mensagem ao meu próximo, ao meu semelhante, a quem eu possa passar algo de bom conforme recebi e conforme esse irmão necessite.
(abril de 2015)
Adeus ao DR ANTÔNIO
Partiu desse mundo, mundo cheio de intempéries, de sustos, de plantões, de imensos curativos, de taquicardias que nos assustavam, de lamentos, de odores nem sempre agradáveis, de sangramentos em lençol, de secreções ora serosas, ora sero-sanguinolentas. Partiu um amigo, um desses médicos que merecem ser chamados de DOUTOR. O Doutor Antonio Augusto, que desde sempre conheci trabalhando no Hospital de Queimaduras. Já estava aposentado mas ainda trabalhava dando assistência em postos de saúde em Anápolis. Claudicando um pouco, entusiasmado, altivo, risonho e atencioso. Imensamente orgulhoso de sua profissão. Motivado e cheio de projetos. Ainda assim, Deus achou que a hora era essa e o perdemos. Seus pacientes, seus familiares, nós, todos os seus amigos o perdemos. Vai-se um grande ser humano, um médico capaz e humano. Ficamos nós e um vazio. Fica essa ausência a se juntar a outras, vez que o mundo é feito mais de ausências do que de presenças que serão também ausências um dia. Foi meu amigo, grande amigo. Lembrarei dessa figura ímpar, sempre com respeito, consideração, gratidão e amizade. Adeus amigo! Voa agora num voo sem a limitação da velocidade da luz. Voa livremente, de galáxia em galáxia nas amplidões celestes, em busca do céu de Deus. Vai celeremente voando que o céu te aguarda.
(19 de abril de 2014)
ADEUS AO ZINHO
ADEUS AO ZINHO
A CADA ADEUS, PERCO UM POUCO DE MIM.
A última coisa que balbuciei tocando seus pés em seu último leito, foi um: Adeus meu irmão amado.
Amargurado até a última fibra de meu coração, humilhado nos meus conhecimentos médicos, pela segunda vez diante de um irmão que partia prematuramente sem que pudéssemos impedir, ou mesmo postergar o momento desse desenlace.
Tentando ainda uma última vez comunicar com seu corpo sem vida mas que também já não sofria mais; oramos, entoamos cantos de despedida, cânticos de louvores, orações pedindo a Deus amparo para sua alma e dizendo a você, uma última vez, o quanto o amávamos.
O pranto nos rostos que o cercavam naquele momento, os cuidados com que, principalmente sua esposa e filhos o cercaram, a vigília constante da família, as lágrimas contidas na sua presença e vertidas incontroladamente às escondidas pelo cuidado de não transmitir-lhe o quão desesperador era o seu caso. Tudo era expressão do quanto você era amado. Tudo era uma antevisão do grande vazio que você deixaria..
Adeus irmão, reencontre cada um do nossos, abrace cada um por mim, por nós. Fale comigo de alguma forma se for permitido. Aguce a minha fé que é pouca, confusa e instável.
Até quando foi possível procuramos, nos dois sempre expressar nosso afeto um pelo outro. Gostaria, agora é tarde, de que tivéssemos passado mais vida juntos; conversando, rindo; eu censurando o seu pouco juízo, no meu julgar, e você me chamando de trouxa por não saber aproveitar a vida e por ser facilmente tapeável pelas artimanhas que você montava para, em seguida, rirmos juntos.
Fazer alguém de trouxa, por mais que esse alguém estivesse com o pé atrás, era um rob seu, muito mais por diversão do que por qualquer maldade. Era uma espécie de jogo de inteligências. Servia mais para animar nossos encontros e darmos grandes risadas e vê-lo sorrir sacudindo o corpo, apontando o trouxa, que também caia na risada e avisava: vai ter troco.
Troco como, se você nunca baixava a guarda e quando parecia fazê-lo era só para dar corda para o adversário e ludibria-lo no último lance, apontando-lhe o indicador de uma mão robusta e dizendo: - Ou trouxa, as pessoas estão rindo é de você. Eu estava piscando o olho e fingindo que acreditava; estamos chorando de rir!...
Outro rob seu era dar conselhos sábios; escancarar as portas de sua casa, mesmo naqueles nossos tempos de extrema pobreza, aos seus irmãos, ao amigo em aperto, à mão estendida rogando.
A vida nos conduziu a seu bel capricho nesses sessenta e poucos anos. Nos contrapôs, nos uniu, nos separou e nos fez, inúmeras vezes, depender um do outro. Só nunca fez, foi que deixássemos de ser irmãos. Ficar-de-mal e de-bem, muitas vezes, ficamos, mas sem nunca romper o forte e indestrutível laço de amor fraterno que nos uniu e vai continuar a nos unir mesmo depois dessa sua partida.
Você partiu porque, na realidade, eu médico, não sei salvar vidas. Sei um pouco de minorar sofrimentos, de reparar lesões fáceis de corrigir; de dar apoio, de usar, com razoável correção, conhecimentos e drogas que outros pesquisaram. Sei um pouco de entender doenças para minimizá-las, para ajudar o organismo a vencê-las; para ajudar pessoas a conviver com algumas delas. Mas a vida escapa de nossas mãos esperada ou inesperadamente, por mais dedicação que se tenha, por mais que estudemos, por mais que combatamos nossa vaidade, por mais que suportemos o cansaço.
Admitindo essa outra dimensão onde as almas continuam a vida. Fico pensando se a vítima não seria aquele que aqui fica, chorando uma a uma as perdas de seus entes queridos e não, o que se vai.
Queira Deus que assim seja e que você agora possa correr sem se cansar, possa nos ver a todo momento e entender o que nos vai por dentro. Possa rir com seu alegre sorriso e nos fazer de trouxas por não podermos vê-lo, por nossa ganância que nos escraviza, por nossos medos inúteis, por desperdiçarmos momentos de convivência e não usufruirmos plenamente a alegria de poder estar juntos e de conviver.
Cada um, de nós está saudoso de sua presença, de sua risada, de seu saber, de chama-lo de peão e de poder abraça-lo sentindo sua mão pesada batendo em nossas costas.
A cada adeus perco um pedaço de mim, um pedaço de meu mundo se desfaz.
No último adeus, parafraseando Machado de Assis, disse a mim e a você; mais com o coração do que com a fala:
Ao pé do leito derradeiro,
Aqui venho Irmão querido,
Trazer-lhe o coração de companheiro
Por certo, quando nem mais um pedaço de meu ser, de meu universo puder ser tirado, então, Deus há de me dar esse direito de partir para encontra-los e então, Zinho, vamos usufruir de uma grande convivência, cheia de emoção, compreensão e alegrias e nosso convívio será eterno.
Sinto por não ter conseguido ser mais irmão, mais amigo, mais companheiro.
14/11/2010 - rilmar
CECELI
Relato a vocês o conteúdo de algumas cartas que nos trazem uma história que julgo verdadeira, já que contida em cartas tão antigas, em papéis tão ressecados e amarelados pelo tempo, que só consegui recuperar com auxílio de iluminação especial e instrumentos óticos; também porque a letra é de talhe firme e favorece à leitura.
Acaba sendo um teste de paciência e tolerância, pois terei que relatar em três ou quatro capítulos, à guisa de folhetins, pois são quatro ou cinco cartas e a primeira é um pouco longa.
Posso considerar que estamos de acordo? Sim?... Então começo agora e, a cada dois dias publico mais trechos e, em uma semana teremos o desfecho.
Caro Sr.
Conselheiro Sentimental da
Mais Ouvida do Brasil;
Em primeiro lugar devo confessar que sempre achei profundamente ridículo programas como o seu, onde confissões detalhadas das mais inconfessáveis fraquezas; revelações dos mais íntimos dos nossos pecados, relatos humilhantes das mais vexatórias situações vividas; insucessos deprimentes; atitudes execráveis; onde, enfim, tudo o que sendo secreto já nos dói tanto; é tornado público e secundado, ora por um conselho animador, mas sempre inútil, ora por uma reprimenda que credencia o programa para ouvidos desavisados, mas acaba por crucificar o pobre e desesperado ouvinte apelante.
Então, fico a me perguntar; se tenho essa visão tão clara e tão desfavorável a respeito de seu consultório sentimental, por que é que estou aqui a mal traçar essas linhas que tenciono enviar-lhe, tão pronto as conclua?...
Ocorre que meu caso é tão inusitado e desproporcional, que sozinho não consigo equacioná-lo e não me animo a revela-lo nem mesmo, ao meu melhor amigo. Tão pouco estou conseguindo conviver com ele incrustado aqui na minha alma, dentro do peito, apertando o coração, perfundindo difusamente meus hemisférios cerebrais e me levando à obsessão.
E, por que é que ao sr. eu posso contar tudo e pedir que me oriente?
Porque o sr. Está distante e é para mim quase que somente uma voz que sai do rádio e que eu posso interromper ao meu bel prazer; porque posso usar um pseudônimo e me proteger do escárnio público; porque o meu compromisso com a verdade fica sendo apenas relativo: pseudo nome, história passível de benevolentes ajustes sem que se torne falsa; ambientação conforme a memória e, aqui e ali, algumas fantasias. Devo ressaltar, antes que em um ímpeto de fúria o sr. Rasque minha carta e a incinere, que não tenho também qualquer compromisso com a mentira e que o intento que me impele a procura-lo é filho da verdade.
Deixe-me ser mais claro. É decisivo para minha resolução de escrever, que paire uma enorme dúvida sobre a veracidade de tudo o que eu disser. As entrelinhas, essas sim, estarão em todo o correr das cartas, revelando uma alma sofrida e enferma; um coração combalido por esse sofrer tão longo, tão fundo, tão doce. Revelarão, por certo, e finalmente, um ser humano tão desumanamente tratado só porque ama como Jesus recomendou; Deus o estruturou para tal; a natureza o acicatou por dentro e por fora para que o fizesse e, finalmente, as estruturas sócio-culturais-religiosas se uniram para impedir que essa paixão se consuma.
Reconheço que o desenrolar destas ideias está um pouco complicado, mas tenha um pouco de paciência e procure extrair do que vou dizendo, um pensamento conciso, uma ideia clara. Considere o seu compromisso com os ouvintes, a minha necessidade de uma palavra amiga e sábia e, também, aproveite o texto confuso para diagnosticar, por trás dele, um alguém, já de natureza complexo e confuso e que agora, envolto e imerso numa paixão tão avassaladora quanto espúria, sente-se infestado por anjos e demônios que arrastam de vez sua precária lucidez para o caos total. Tudo porque enquanto os anjos dão-lhe conselhos edificantes que nada o ajudam na realização de seu sonho de amor; os demônios por sua vez o encorajam mostrando-lhe caminhos para a consumação do desejo. Duvidosos caminhos, pecaminosos conselhos, inaceitáveis decisões.
Sou fervoroso crente em Deus. Persigno-me todas as vezes que passo por uma igreja. Rezo para dormir. Vou à missa regularmente. Não perco
ocasião para rezar e oferecer ao Senhor. Sou homem bom, trabalhador, tolerante, preocupado com meu próximo. Quero dizer com tudo isso, que me suponho em paz com Deus, não merecedor de castigos e que Deus me conhecendo tão bem, não precisava me submeter a tentação tão grande.
É, mas Deus deixou que eu olhasse aquele rosto branco e rosado, aqueles olhos pretos e luminosos, aquelas mãos tão delicadas comprimindo um crucifixo de prata. Naquele momento, tudo o que vi foi isso, acrescido de uma expressão, uma comunicação mágica, que saindo daqueles olhos, daquele olhar, me encantaram como o canto das sereias. Aquela luz, aquela essência, me encheram de uma tristeza doce e uma saudade melancólica que se manifestou mesmo quando ela ainda estava ali tão perto e me invadia os olhos com um olhar que, na realidade, pretendia era marcar para sempre minha alma.
O momento realmente era propício à uma comunhão de almas. Orávamos com fervor e nossos pensamentos vagavam em regiões transcendentais. Tudo ali favoreceu um diálogo de almas tão íntimo, tão sacrossanto e elevado, que a memória que ficou em nós, não são lembranças nem testemunho, é tão somente, esse incontrolável sentimento que me faz ousado e inconsequente enquanto a ela, rosa bela e delicada, faz sofrer; não mais que eu, por ter que se manter fiel ao seus votos, à sua entrega plena a Jesus e, ao mesmo tempo, me manter distante, sem matar em mim uma esperança e, em minha alma, a certeza de que nascemos um a procura do outro.
A essas alturas o sr. Deve estar querendo saber, de uma forma mais direta, o que se fez e o que se deixou de fazer; até onde avancei; até que ponto nos expus com meus atos mais intrépidos.
Como já disse; de frente mesmo; cara a cara; sem rodeios, não dá para contar. Há que se ter paciência e ir colhendo na filtragem do que digo, na interpretação do relato, o que houve ou deixou de haver.
Mas, houve!
(aguardem; sejam paciente com essa alma)...
CECELI - (parte II)
(..... o que houve ou deixou de haver.
Mas houve!) ......
Foi, com certeza, por orientação do enxame de demônios que me haviam invadido e me assessoravam.
Passando pelo fundo do convento que era onde ela, bela e beatífica, se abrigava das tentações mundanas; adivinhei sua presença no amplo quintal cujo muro do fundo dava para a rua de pouquíssimo movimento, onde nessa hora eu passava. Ouvindo uma voz entoada, bela e educada cantando um ‘Va Piensero’ que eu nunca dantes suspeitara fosse tão lindo, reconheci que era ela quem cantava pois já a ouvira cantar, certo dia na igreja.
Olhei a rua de cima a baixo e não vinha ninguém.
Procurei alguma coisa para subir e olhar por cima do muro. Encontrei umas pedras grandes, uns tijolos e um caixote velho. Com eles improvisei uma bancada na beira do muro.
Encarapitado na tal bancada pude ver o quintal. Lá estava ela fresca e viçosa como uma flor; cantando feliz, como que mergulhada em devaneios. Cantava e pendurava umas roupas nos arames que se estendiam por quase todo o quintal. Fiquei a olhar maravilhado, aquele anjo de candura e inocência que ia e vinha ao longo do arame, cantando sem me notar.
Aí, num rasgo de audácia e imprudência; empurrado pelo amor, pela paixão que me consumia, não me contive e chamei pelo seu nome – Cely!...
A voz que cantava calou, o anjo virou mulher e a mulher, sem perder os atributos angelicais, ganhou nuances e modos que a tornaram de vez, irresistível.
Algo zangada, meio confusa, ela se aproximou do muro e de novo nossos olhos se falaram.
Dois adolescentes...
Tornei a dizer seu nome: - Cely!
Talvez com medo de que me ouvissem e isso complicasse demais a sua vida no convento, ela levou o indicador à frente dos lábios pedindo silêncio e tentou, meio desequilibrada, subir numa escadinha que estava junto ao muro. Mesmo estando do lado de fora eu estendi a mão para ajudá-la e segurei seu braço, enquanto sua mãozinha frágil, um tanto fria, e delicada também segurou-se em meu braço.
A emoção roubava-me o fôlego, o coração dava saltos no meu peito, o amor me empurrou e, os demônios que digladiavam com anjos dentro de mim; sentiram o momento e me encorajaram para que a puxasse para mim e a beijasse com sofreguidão e sem planejamento nem permissão.
Ora, um beijo sôfrego, por cima do muro e sem premeditação, não chega a ser qualitativamente um grande beijo. É mais um comprimir de bocas. No entanto foi assim nosso primeiro beijo: O mais inesquecível beijo; cheio de pecado, pleno de emoção e, a despeito de roubado, devastador para a pureza de sua consciência. Ao menos por um breve momento ela deve ter me odiado. Nos afastamos, cada um com suas tempestades de emoções sacudindo intensamente cada mínimo detalhe de suas estruturas.
Se houve mais alguma coisa?...
Houve, mas vamos dar tempo ao tempo e eu vou me encorajando e contando aos poucos.
Dias depois a vi na missa. Estava ajoelhada e rezava numa atitude de absoluta fé e contrição. Falava com Deus e seus lábios róseos se movimentavam encantadoramente no balbucio das preces. Isso só já conseguia me inquietar e fazer meu coração bater forte e descompassado.
A certa altura, sem interromper a prece, seus olhos se abriram por um instante e me fitaram.
Não sei se posso dizer isso, mas havia um pouco de Deus nos seus olhos, tenho certeza que sim.
Só um instante durou aquele inebriante contato entre o mortal e divindade; seus olhos novamente se cerraram enquanto o meus se anuviaram com duas lágrimas arrancadas do fundo da alma.
Rezei também com todo o fervor, pedindo a Deus uma ajuda, pois ele; diferentemente das igrejas, sem nada querer para si, sem compromissos com dogmas e hierarquias, sendo capaz de sentir os sentimentos de suas criaturas; poderia, num ato de bondade e coerência, conceder às nossas almas esse primaríssimo direito de se unirem, vez que já se haviam escolhido.
Assim foi a minha prece:
- Senhor!...
Concede-nos a graça de partilhamos nossas vidas, de atender esse anseio, de acalmar esse amor. Permite, Pai, que essa tua obreira possa realizar outros desígnios; que como apascentadora de minha alma, depositária fiel de meu amor, encanto de minha vida, genitora e guardiã de nossa prole, companheira inseparável, nesta e em outras vidas, deste filho que não pede por seus méritos, mas por tua bondade; concede Pai, que na realização destes desígnios ela possa estar fazendo a Tua vontade.
E, se neste momento em que a fé toma conta de meu ser e a emoção domina minha mente; eu estiver pecando por ousadia excessiva; peço-Te clemência e compreensão. Peço, ainda, luz que ilumine para nós os verdadeiros caminhos ainda que, por infortúnio meu, não sejam os que imagino.
E, por último, Senhor, atrevo-me a pedir-Te; pelo teu sim ou pelo teu não; que afaste de dentro de mim esse enxame de anjos e demônios que se digladiam e deblateram sem me conduzir nem me orientar com clareza.
Amém.
No instante em que encerrava minha prece, ouvi novamente o ‘Va Piensero’ vindo do alto da nave, entoado pelo coro da igreja e, no meio das vozes, conseguia vez por outra, identificar a voz dela.
Ao abrir os olhos eu já sabia que não a iria encontrar mais onde estivera até que me pus a conversar com Deus.
O sr. Já morou em cidade pequena?... Não?... Pois nem queira.
Em cidade pequena nada fica escondido. Nem mesmo um beijo furtado por cima do muro em uma rua vazia.
Não há de ver que nosso mais que furtivo encontro teve testemunha?!...
Quem foi, não sei, mas o fato é que uma semana depois, quando eu até já planejava outra investida heroica e inconsequente ao muro do convento, fui chamado para uma conversa com o bispo; o que de pronto me deixou bambo em cima das pernas. Depois me acalmei e comecei a admitir que podia até ser essa minha chance de me abrir sinceramente com sua eminência e, então, usufruir da compreensão e bondade tão apregoadas por todas as igrejas.
Acaso seria essa a forma que Deus concebeu para intervir e tornar possível uma tão difícil quanto desejada união?!...
Não, não foi.
O bispo, ladeado por monsenhores e padres, à guisa de um Tribunal de Inquisição; me arrasou. Tratou-me com uma dureza demoníaca. Enquadrou-me como infrator de oito ou nove dos Dez Mandamentos. Detratou os nossos sublimes sentimentos chamando-os de vergonhosa luxúria, qualificando o nosso amor como artimanhas do capeta, que fazia de mim um instrumento de tentação para uma alma cujo verdadeiro anseio era se entregar a Deus por toda a vida.
Ouvi tudo em silente revolta; pois em nenhum momento me deixaram falar.
Depois de me arrasarem, de denegrirem nosso amor, de exaltarem a excelsitude da igreja e ressaltarem, em coro, a sublimidade da missão que cumprem no mundo as Irmãs de Caridade; despejaram sobre mim tantas e tão grandes ameaças, que quando me permitiram sair dali, o que se retirou já não fui eu, foi um farrapo de gente., foi pouco mais que o pó a que um dia todos nós tornaremos.
Esculhambaram-me, trituraram-me, envergonharam-me profundamente, mas cometeram uma falha e nessa falha é que, com certeza, estava o dedo de Deus: Esqueceram-se de me excomungar.
Cor contritum et humlhatum Deus non despicies.
Se Deus não me dispensava, sabendo ser meu coração contrito e humilhado, então eu podia entrar na sua casa. Na casa de Deus, a igreja.
Voltei a vê-la, e quando a vi, renasci das cinzas, e renasci com outra consciência de meus atos; com uma visão renovada e clara do distanciamento que há entre Deus e as religiões. Aquele amor não tinha que pedir permissão aos homens para existir. Entre eu e Deus tudo estava dito e Ele não me repreendeu, não apagou no meu peito a sarça ardente dessa compulsão, não tirou dos olhos dela a emanação luminosa que, passando por mim, ia falar direto à minha alma.
E o ser renascido em que me tornei, saiu de onde estava e se ajoelhou ao lado dela e, ignorando os espantos, disse-lhe todas as coisas que trazia presas no peito. Falou de amor longa e loucamente sem elevar a voz além de um sussurro, falou da beleza dela, de sua candura, de sua voz, de seus lábios rosados, de seus brancos dentes, da luz de seu olhar e do lampejo divino que ele viu em seus olhos um certo dia na missa.
Ela ouviu, ouviu e depois chorou plácida e maravilhosamente. Olhou-o com a intensidade e franqueza de quem confessa um grande amor. Depois, num sussurro quase inaudível, declarou com num balbucio dos lábios o mesmo grandioso amor. Por fim, levantou-se e seguiu, cabisbaixa e lentamente, as outras freiras que se retiravam.
Desde então não a tenho visto. Já se vão três longos meses.
Que devo fazer?
Subir no muro de quando em vez para ver se a vejo?
Queixar-me ao Papa?...
Fundar uma igreja paralela para adquirir poder de negociação?
Invadir o convento e tentar tirá-la de lá à força? (loucura).
Ficar estático (em cima do muro) aguardando melhores dias?
Na expectativa de uma orientação, aqui me ponho à sua disposição para qualquer esclarecimento que se faça necessário.
No aguardo e ansioso.
(a seguir, Segunda Missiva)
CECELI - (3ª parte)
Segunda Missiva
Sr. Da Mais Ouvida;
Tenho ouvido diariamente o seu prestigiado programa e não escutei, até agora, qualquer referência à minha carta. – Aquela onde, em mal traçadas linhas, eu contei minha aventura e desventuras no confronto com as tradições da Igreja Católica.
O tempo não para e os acontecimentos se sucedem. A cada minuto que passa, aqui no meu peito um coração abatido pulsa setenta a oitenta vezes enquanto que, entremeando suspiros, meus pulmões inflam e desinflam dezesseis a dezoito vezes. Só minha alma é que não sossega; vive numa lamúria triste e sem fim.
Quanto a Cely, razão desses lamentos, eu voltei a vê-la duas ou três vezes. Na primeira eu a vi sem que ela me visse: Subi numa mangueira sombria e frondosa que fica perto do convento e fiquei de tocaia por cerca de três a quatro horas (coisas que o amor nos faz fazer), até que, em certo momento, a vi andando pelo quintal, como se tomasse um pouco de sol. Estava muito pálida e caminhava vagarosamente de braços cruzados na frente à altura da cintura. Pareceu-me que meditava. Sua palidez encheu-me de preocupações; estaria enclausurada?
A segunda vez foi na entrada da igreja, quando a confraria adentrava o templo num culto só para freiras ou futuras freiras. Desta vez Deus me concedeu novamente a graça do olhar dela. Estava realmente um tanto pálida e seus olhos se destacavam ainda mais, sendo negros e brilhantes, em meio àquele rosto mais branco ainda e sempre angelical. Pude ler em seu olhar que a chama permanecia acesa, li também um grande sofrimento.
A terceira ocasião em que pude vê-la, propiciou-nos um contato imediato do terceiro grau. Vi-a, flertei descaradamente com ela e trocamos algumas palavras que definitivamente encheram-me de uma quase certeza de que esse amor que me arrebata e alucina, segue sendo nela, tão grande e irresistível quanto em mim.
Foi num supermercado, havia muito movimento e o quarteto de freiras que entrou, teve que se desfazer por causa da multidão que não lhes permitia andarem atreladas umas às outras pelos braços, como era costume delas fazerem. Em dado momento, Cely se distanciou das demais e eu pude falar com ela. Ouvi muito e falei pouco. Jurou-me seu amor; falou-me de seus compromissos e de sua grande paz interior. O que queria dizer que não se sentia culpada diante do Cristo.
Meu ego, até que melhorou com a declaração de amor que dela ouvi.
O que piorou demais foi minha impaciência nessa espera. Reavivou de vez, aqui dentro, um fogo que eu já tinha sob controle.
Aguardo pois, análise e respostas urgentes.
A seguir, Terceira missiva)
Terceira Missiva
Sr. Conselheiro;
Vá dar conselhos mal assim lá na China!
O sr. Concordou com o bispo em tudo o que o maldito fez comigo e com o que, suponho, tenha feito a ela? O que é que há? Sua emissora tem uma ideologia coincidente com a da igreja? Os usos e costumes Vão ser abalados? O bispo é parente seu?!
Fique, pois, com sua ideologia tacanha e seus conselhos facciosos. Minha opinião a respeito de seu programa segue sendo a pior possível. Não volto a escrever-lhe nunca mais; nem que a coruja berre!
Xxxxx
Aos que vinham acompanhando meu drama pelo rádio, deixo aqui um relato para que não fiquem prejudicados.
Inconformado com a situação, ocorreu-me procurar a família de Irmã Cely e ver se neles eu encontrava algum apoio.
Moravam numa cidade próxima e não tive dificuldade em localizá-los.
Pessoas educadas e de fino trato. Seu pai era médico e tinha, por seus estudos e vivências, um profundo respeito pelos sentimentos humanos. Conversamos longamente e pude saber que o recolhimento de Cely ao convento não era do agrado da família. Fora uma resolução dela, que eles tão somente respeitaram.
- Temos uma visita marcada para a próxima semana, disse-me seu pai, e, na ocasião conversaremos com ela a respeito. Vale dizer, no entanto que para sair de lá, ela tem que manifestar firmemente esse desejo perante um conselho, o qual, certamente, a convidará a recolher-se e meditar profundamente quanto à sua decisão. De certa forma haverá pressões no sentido de demovê-la de tal intento. Longa e profunda meditação, será certamente exigida!
Depois ela deve reafirmar sua decisão e aguardar a palavra do conselho.
Voltei para casa e fiquei aguardando ansioso e inconformado com a demora. Enquanto esperava; pensava, temia e orava com o fervor desesperado dos que amam.
O DEDO DE DEUS:
Cely dormia. Seu sono era profundo e calmo. Em sua alma existiam muito mais dúvidas que certezas. Estava psíquica e fisicamente exausta. Então principiou a sonhar um sonho lindo e repousante: Campos verdes e floridos se estendiam até o horizonte. A calma, o vento suave, os sons de aves, a luz intensa e seu estado de alma; sentia em tudo a presença do Criador. Num certo momento, sem que o encantamento se quebrasse; foi, num crescendo e lentamente, ouvindo uma voz a dizer: - Irmã Cely... sê Cely!
- Ama!... Diante de ti sempre surgirão grandes e pequenas oportunidades de servir. Ouve a alma. Servir a Deus não implica em abrir mão do existir, do viver, da busca da alegria, de vivência plena do amor.
- Irmã Cely... sê Cely!...
Quarta Missiva
Caro conselheiro; a coruja está muda.
Não retiro nada do que disse na carta anterior, mas volto a escrever para dar-lhe derradeiras informações.
Deus realmente existe. Considere sempre isto.
Após o conselho Dele para que irmã Cely passasse a ser Cely, como ela própria ouviu em sonho, Cely não teve mais dúvidas e apresentou-se ao conselho devidamente pensada e meditada, dizendo que se decidira a expor-se ao mundo e ainda assim continuar profundamente ligada a Deus e cumprindo seus desígnios.
- Recolher-me é como fugir da vida. Com minha força e lucidez, sinto que saberei separar as boas das más tentações. Às más eu resistirei com minha força; diante das boas eu saberei me moderar para vive-las sem culpa.
E muito mais disse porque muito lhe foi perguntado; e muito argumentou porque muito lhe foi cobrado. Na sua fala mostrou sempre firmeza e decisão. Foi firme e decidida sem deixar de ser gentil; defendeu seu novo modo de encarar a fé sem ferir susceptibilidades; foi concisa, amena e convincente.
Ao final da reunião ela se retirou e ficou aguardando a palavra do conselho. Queria sair como entrou: pela porta da frente, de cabeça erguida e com direito às suas convicções.
A Liberação Aconteceu!
Liberada dos votos, Cely voltou à casa de seus pais e, pouco tempo depois, iniciou, com a assistência de um advogado, um processo para alteração de seu nome. Queria doravante e para sempre, como testemunho do som que ouvira em sonho; - Sê Cely; não apenas ser Cely, mas CECELY, conforme ouvira. E tudo foi feito conforme a vontade de Deus que a inspirou.
Eu, que renasci das cinzas naquele dia distante durante a missa, e ela devolvida à vida efêmera dos profanos; nos unimos na igreja e sob as bênçãos de Deus. Muito nos amamos, muito nos olhamos, nos tocamos, nos compreendemos. Seu olhar, seu sorriso, seus gestos, o som mavioso de sua voz, a ternura encantadora que me dá; tudo isso eterniza nosso amor que é uma chama cada vez mais luminosa.
DEO GRATIAS
(1992 – rilmar)
O SEGREDO DO ARROZ
Tudo que eu precisava, desde menino, era saber quando falar e quando calar.
Nunca soube!...
Daí, minha mãe que se multiplicava por cinco ou mais personagens para dar conta de seu afazeres que eram muitos: mãe, professora, diretora, lavadeira, passadeira, costureira, conselheira, a contadora de histórias, cantora de canções de ninar, quitandeira, etc. etc. – Querem mais? Tem mais, mas sigo com a história.
Num momento de exaustão e desespero, rodeada por oito pentelhos que só sabiam aprontar e fazer o malfeito; ouvi-a clamar por ajuda: Ah! Dizia ela. Se eu encontrasse, ao menos alguém para fazer um arroz antes de eu chegar da escola (Grupo Escolar onde lecionava).
Parece que uma fada benfazeja a atendeu e me inspirou, pois imediatamente comecei a planejar ajuda-la.
Tinha que ser secreto, em segredo, já que aos cinco anos, andando com as mãozinhas sujas pela casa, descalço, vestindo apenas um calçãozinho ralíssimo e que vivia caindo devido ao esgotamento, pelo tempo, da capacidade elástica do elástico que devia contê-lo em minha cintura; acho que ninguém me confiaria tal missão.
Inteligente, pluriapto (como mais tarde a UnB me classificaria), inconsequente, decidido e incontido, vez que o segredo me protegia. Esperei o transcorrer da manhã até que fiquei sozinho na casa.
O fogo estava aceso, havia panelas dependuradas numa parede, o arroz ficava em uma lata grande alcançável, gordura, bem ali; sal no canto da prateleira, uma réstia de alho dependurada perto do fogão. Água disponível perto da cisterna.
Faltava o saber como (know how). Não sabia mas desconfiava.
Ligo o rádio e quem estava la´?!...
Um papagaio conselheiro e uma tal de Ana Maria Ilka Fraga Maranhão que se dizia expert em culinária e pesquisas aleatórias.
Aleatória eu não sabia o que queria dizer, mas culinária eu tinha certeza de que tinha alguma coisa a ver com cozinha.
- Ponha a panela no fogo, acrescente gordura a gosto, alho conforme o costume, meia colher de sopa de sal, uma boa quantidade de arroz e deixe fritar. (fiz tudo direitinho, conforme fui entendendo).
Ferva uma quantidade suficiente de água separadamente e vá acrescentando até cobrir bem o arroz. Fi-lo como qui-lo mas minha estatura não me permitia visualizar a panela a ponto de ver se cobrira bem o arroz.
A sra M.I. Fraga esqueceu-se de dizer que era necessário catar o arroz e de que tinha que lavar duas a três vezes. Pulei essa etapa mas descobri que não é de necessidade absoluta hoje em dia.
Porém, naquele tempo era!...
Mas, Deus ajudando, dava para que pessoas esfaimadas não percebessem.
Coloquei o arroz, três copos quando seriam necessários cinco ou seis, meia colher de sal (nessa eu acertei), gordura calculada em meia colher grande de fazer arroz, água medida num velho copão feito aproveitando uma antiga lata de palmito. Antes de por a agua deixei fritar o arroz e o alho por um certo tempo até sentir cheiro de alho frito. Pelo barulho da agua caindo, calculei que cobrira o arroz.
Aticei o fogo, tampei parcialmente a panela e fui rezar num cantinho da cozinha depois de desligar o rádio.
Algum tempo depois senti cheiro de arroz pregando no fundo da panela e concluí que minha colaboração estava pronta, feita e acabada.
E estava!.
Quando minha mãe chegou, apavorada como sempre para dar conta do almoço e ainda voltar para o período da tarde do educandário, vendo aquele belíssimo arroz pronto, quase foi às lágrimas de contentamento. Fez uma salada, refogou uma carne que já deixara picada e temperada, coberta com um pano de prato, num canto da prateleira (ninguém tinha geladeira à época). Temperou rapidamente o feijão que ficava a manhã inteira cozinhando lentamente num dos últimos buracos do fogão de lenha.
Sendo o arroz pouco, cada um recebeu uma colherada no canto do prato, acrescentou farinha, feijão, misturas e cada qual procurou um canto para se sentar e comer. De vez em quando uma pedrinha, um marinheiro, uma casquinha, um grão com umas listras de ferrugem. Porém, quando a banana é pouco e o macaco é muito: Tudo fica gostoso (assim diz o ditado).
Nunca se soube quem foi que que fez aquele arroz. Tentei dizer a verdade: não acreditaram devido ao meu tamanho e idade. Delação premiada: não aceitaram. Depoimento ao vivo: Me escorraçaram, exigiram testemunhas, levantaram tantos e tais argumentos contrários que até eu fiquei em dúvida.
Esse, o mais bem segredo guardado desde a Segunda Guerra, só hoje o revelo a vocês. Por favor não viralizem.
22/06/2017
Casa da Colina - UnB
UnB – Barracos da Colina
É incrível, como de um momento para outro, podemos tornar consciente, quase que ver, acontecimentos, conversas, ambientes e até, a nós mesmos em meio às cenas.
Por certo, não nos víamos enquanto vivíamos os acontecimentos.
Mistério vem sendo, mistério é e, por hora, mistério continua.
Colina que não chegava a ser colina, mas era o ponto mais alto do terreno da UnB. Falo do grupo de barracos que ficava acima dos predinhos da Colina. Colina minha, do Robertão Cordeiro, do Castelo e de alguns funcionários da UnB.
Sobretudo: Minha Colina.
Abriguei-me na exígua vegetação de seu cerrado e fui paulatinamente integrando-me a sua paisagem até que, um dia, que não sei determinar bem qual, descobri-me pleno de amor por você.
Mais a vivia, mais a amava. Mais a sentia, mais me impregnava das suas brisas, dos seus aromas e das múltiplas visões que se me apresentava, variando conforme os sois, as luas, as estações do ano ou o que ia por dentro de mim.
Saí tantas vezes de minha casa, quase uma choupana, e pus-me a andar pelos trieiros que a cortavam.
E, eram tantos.
Não, eu não andava à toa! Sentia-a nos meus pés e retribuía contato. Eu a acariciava. E você sentia?
Lá em baixo, o Lago imenso e piscoso, ora um espelho d’água, ora uma imensidão de aguas que o vento encapelava, de leve mas de modo contínuo e incômodo. Um Lago no meu quintal.
Abaixo, à direita, e bem mais longe: O minhocão, antes dele, os predinhos da colina.
Aqui, onde agora me lembro, onde me vejo: Meu barraco, meu abrigo.
Casa frágil, tosca, maltrapilha heroína que me abriga com mulher e filha. Telhadinho frágil que mal suporta os ventos daqui. Paredes de tábuas velhas, que já adquiri velhas e com elas te fiz. Chão de cimento vermelho, (ah, como foi difícil te obter). Orgulho de meus orgulhos, componente mais nobre de minha pobre casa. Janelas que são nacos da própria parede segmentada, articuladas de um lado; contidas por taramelas também de madeira; fechando para nos aquecer e abrindo-se para nos mostrar o lago ao longe.
Varandinha cambembe coberta de telhas furadas de zinco; banheirinho exíguo de paredes baixas capazes de nos esconder só até os ombros. Rego d’água por trás da casa fervilhando de minhocas. Iscas que as tilápias do lago adoravam.
Cerrado seco, amarelado; chão de cascalho entrecortado de sulcos rasos que são caminhos das aguas e que também são meus pois me levam ao lago.
Lago amigo, aceitavelmente poluído, cheio de peixes e gentes em busca de sossego, alegrias, sustento ou, simplesmente, molhar os pés.
Lembranças voam.
Já é noite!... Não o começo da noite, mas noite alta. Noite tempestuosa. Um vento forte balançando meu telhado e ameaçando arrancá-lo das frágeis paredes de tábuas e dos caibros improvisados. E os brum-brum-bruns de trovões que reboam pertíssimos de nós; e os Zap-traps luminosos e fortíssimos de raios que cruzam o ar e estalam ora no céu, ora rentes ao nosso teto; e os relâmpagos que se sucedem ou se completam, tal a frequência com que ocorrem, um atingindo o clímax de sua luminosidade quando o outro ainda não se apagou de todo.
A chuva cai lá fora pesada, bate furiosamente em meu telhado que, resiste no todo, mas cede neste, naquele e em vários pontos. E, sobre a nossa cama, a chuva pinga cruel, intermitente e fria; em forma de goteiras.
A menina chora.
A energia acabou. Não a dos elementos naturais, mas a que o homem domesticou e encanou em fios de cobre.
Acendo uma vela e olho os rostos que me cercam,
Minha esposa tem uns olhinhos redondos de medo e uma leve palidez de assombro, mas procura aparentar calma, e faz um comentário despretensioso sobre a chuva.
A criança, sem compromissos nem raciocínios que a faça engolir os medos, chora e trata de subir na minha cama.
A vela acesa, por si só já é capaz de acalmar os relâmpagos em seus clarões.
A mesma vela, uso para invocar os santos em nosso auxílio.
Arrasto a cama para um canto do quarto onde a goteiras não caem, aninho a família num lugar seco da cama; deixo a vela acesa para amenizar os relâmpagos e começo a cantarolar uma história musicada para distrair nossas mentes e disfarçar os barulhos, principalmente os dos trovões que são os que mais nos assustam.
Com algum tempo, muito longo para nós; os santos finalmente se condoem; a chuva acalma, as faces descontraem-se, o sono chega e envolve a ninhada.
O tempo passa lentamente e leva a noite embora.
Tempos de UnB. (1971?)
Blusa Amarela
Blusa Amarela (os simples herdarão o mundo)
Com meu cavalo cansado,
Quando a tarde já morria,
Passei na porta da casa,
De quem, eu tanto queria.
Num arame no quintal,
Uma lembrança singela,
Um mimo que ela, vestindo,
Ficava ainda mais bela
Um vento sutil, batendo,
Balançava a blusa dela,
Por desventura, a mesma brisa,
Cerrou de leve a janela.
Com uma dor funda no peito,
Uma mágoa dolorida
Fui me afastando sem ver
A mulher da minha vida
Vou cumprindo a minha sina,
A vida me fez assim,
O destino e a viola,
Tiraram ela de mim.
Com a esperança da paixão,
Ainda olhei para a janela,
Tudo que vi foi o vento
Balançando a blusa dela.
O vento ainda machucou,
Trazendo a fragrância dela,
Num restinho de perfume
Da blusinha amarela
Me afastando lentamente,
Eu não vi, mas pressenti,
Num vãozinho da janela,
Ela... olhando p'ra mim.
Rilmar - 2014
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