Exaurido em
minha capacidade de suportar as saudades, intentei analisá-las, classificá-las
e separar por grupos, por espécies, intensidades, por tipos de sentimentos
nelas contidos. Para enfim, eu como um analista, entender e assim poder, num
sopro, desfazer, ao menos as mais doloridas.
Postas ali
na mesa se assemelhavam em muitos pontos, mas bem observadas, não só com os
olhos; aplicados sentimentos, coração, lembranças, alma; percebia-se nítidas diferenças.
Saudades de
gentes várias indistintas e em grupos. Saudades de amigos, de colegas, de
turmas sorrindo, conversando, contando experiências, saudando, festejando
fazendo algazarras.
Saudades das
vivências longas em família com presença de nossos pais, irmãos, irmãs, coisas
da casa; do dia a dia, das alegrias vividas juntos em família. Imensas saudades
de minha mãe.
Saudades de
lugares, do dia a dia no trabalho, dos folguedos, dos jogos com minhas turmas.
Dos
namoricos, dos flertes que nos enchiam de sonhos. Dos namoros cheios de
inseguranças e ciúmes.
Encontrei, casualmente,
a saudade de uns olhos cujas cores não esqueço; um castanho escuro irisado de
tons claros brilhantes que diziam coisas à minha alma e eram muito mais um
olhar que dois olhos. Tenho certeza de que emanações luminosas saem dos olhos e
no trajeto se cruzam e nos alcançam já como um envolvimento inebriante e mágico;
eis o que é o olhar. Naquele olhar consentido
e direcionado aos meus olhos, eu me embebia e sorvia sonhos, esperanças,
promessas, ilusões imensas e indefinidas. Sentia que me envolvia e dominava,
mas era de tal maneira irresistível, doce, bom e suave que eu me deixava
envolver e nele mergulhar sem me importar quão profundo era nem até onde me
levaria e o que de mim faria.
Ela, angelical e sorridente, parece que também
sentia o que meus olhos diziam, também se inebriava, então mergulhávamos juntos
na imensidão daquela envolvência sem sabermos até onde iríamos.
E íamos, e
íamos...
Mesmo depois
de nos afastarmos, continuava sonhando, absorto, desligado do mundo, percebendo
tudo com a alma e como que desprovido dos sentidos.
Esses
olhares, esse repetido olhar, ainda hoje, assoma vez por outra, de dentro de
mim, pois impregnou minha alma. Quando emerge ainda tem o poder de me levar de
volta no tempo a ressentir as lembranças, as emoções, ela; o momento e o lugar.
Até o perfume suave de uma dama da noite que florescia distante e o vento trazia
dando mais encanto à noite; até esse sutil aroma retorna nessa saudade.
Há uma certa
e boa concretude nas lembranças que o reviver esse olhar me traz.
No entanto,
o tempo, esse impalpável componente da existência; com suas horas fugazes,
dias, noites, meses e anos. Consome os momentos irreversivelmente e nesse
consumir leva juntos os seres que fomos, esmaece a nossa capacidade de sentir a
vida com as alegrias e encantos juvenis, com a pueril inexperiência onde cada
detalhe do viver era algo novo e carregado de emoções nunca dantes sentida.
O Tempo, o
mesmo tempo que nos amadureceu, nos afastou, interpondo-se entre nós, entre as
emoções daqueles olhares e o nosso hoje. Mexeu em nossos corações, mudou nossos
sorrisos, pôs neblina em nossos olhos impossibilitando-os de captar olhares em
toda sua intensidade.
Há uma
lembrança viva, buscada em certos momentos, mas o tempo leva tudo para tão intransponível
distância que só consigo alcançar imagens fugidias, perfumes quase
imperceptíveis, e um olhar lembrado que ainda consegue mexer comigo e causar
uma dor funda e doce no coração ou na alma.
Ela linda e
juvenil, a noite silenciosa de brisa fresca, a dama da noite exalando um
perfume inebriante, o brilho de seu olhar, seu rosto maravilhoso e expressivo
fazendo parte do encantamento e nós ali, tão jovens, descobrindo emoções tocados
apenas pela magia do olhar.
Me perco
nesse olhar e as demais e incontáveis lembranças postas na mesa para análise
ali permanecem inertes e esmaecidas pois algumas lágrimas vertidas turvam mais
a minha vista e expressam um embotamento da mente que, agora, não consegue mais
ser racional e continuar a tarefa pretendida.
28/09/2021 - rilmar