quarta-feira, 13 de maio de 2020
A Vida é Uma Locomotiva
Aqueles que hoje me veem não me veem por inteiro já deixei partes no caminho. Somos como aquelas grandes e robustas locomotivas 🚂 que partiam cheias de juventude e energias para uma imensa jornada. No início solitárias e eivadas de missões e compromissos. Aí, iam percorrendo trilhos e tinham, assim, um caminho previamente traçado. Apanhavam vagões abarrotados e pesadíssimos, e mais e mais vagões , e tinham que os levar céleres e seguros, cada um ao seu destino. A cada vagão entregue, outros lhe eram acoplados sem considerarem muito seu ânimo ou seu potencial. Mas, na ilusão e no ímpeto da juventude, os desafios sempre nos orgulham. Longos caminhos. A vida são caminhos percorridos, percorrendo e a percorrer. No percurso deixamos e apanhamos vagões, muitas vezes apanhamos vagões que deixamos na ida e os levamos de volta para voltarmos a reconduzi-los um dia. O desgaste, o tempo e os trechos caminham como se separados fossem, mas são, na verdade, sincrônicos e paralelos. Depois de atingirmos o auge de nossa força, de nossa capacidade do resfolegar barulhento, da sonoridade de nosso sino anunciando nossas chegadas, das entradas triunfantes nas estações das cidades, vamos a um só tempo lenta e vertiginosamente, mais deixando vagões que os apanhando. A lentidão é o que a percepção nos revela, o vertiginoso é a realidade de mãos dadas com o tempo e o desgaste. E, no escoar do tempo, pelos caminhos vamos deixando vagões que nunca mais conduziremos. Vagões deixados viram saudades mas não seríamos mais capazes de reconduzi-los, não está mais em nós a mesma energia e algumas peças já denotam algum desgaste. Agora vagões deixados são partes de nós que ficaram nos trajetos. Falta-nos ânimo para tentar resgata-los. Aqueles que hoje me veem não me viram no meu auge pois somos todos locomotivas 🚂 que resfolegam ainda, mas com um resfolegar carente de decibéis, com uma fumaça que não forma grandes nuvens e com energia tão somente capaz de nos levar de um lado para o outro em busca de manutenção ou de repouso em um desvio ocioso. 29 de janeiro de 2020
Chuva Copiosa
Chove copiosamente.
Nos poucos momentos em que parece que a chuva parou, vou até à porta e olho o céu, não preciso olhar o céu, basta olhar o tempo para saber que a chuva apenas amainou um pouco e agora cai sutil e continuamente e nossa percepção é que está avariada pelo contínuo barulho da chuva, pelo vento frio ininterrupto, pela umidade que envolve, adentra e consegue empapar até o nosso psiquismo.
Chove, chove sem parar. O cinzento da atmosfera, a pouca luz, o silêncio dos outros sons que não seja o da chuva caindo; batendo, abrandando e se intensificando com o passar do tempo; atuam nas almas. Há um imenso silêncio, vez que até os pássaros se recolheram e quietinhos, encolhidos, mudos, cerram os olhos e ficam imóveis economizando energia e esperando novos sinais da natureza.
Abro o WhatsApp e me deparo com uma coletânea de músicas que alguém postou. Musicas de tempos vividos. A mente viaja passado afora, vem um ânimo bom, sinto companhia das lembranças, dos tempos idos, dos amigos e de coisas que a contemporaneidade das músicas, dos arranjos e das interpretações nos trazem. A chuva, a pouca luz, o acinzentado do tempo, a absoluta impossibilidade de atuar sobre a natureza; tudo aumenta nossa concentração e facilita a absorção de cada item contido na arte da música, da letra, do arranjo, da sonoridade dos instrumentos, das vozes, das expressões dos intérpretes.
A natureza nos manipula, nos burila, nos alegra e nos entristece a seu bel prazer. Também ela, a natureza, parece viver e se emocionar tanto quanto nós que nos percebemos indivíduos, mas somos apenas parte inseparável dessa chuva, desse vento, desse frio; dessa nossa mãe, a Natureza.
rilmar - janeiro 2020
Nos poucos momentos em que parece que a chuva parou, vou até à porta e olho o céu, não preciso olhar o céu, basta olhar o tempo para saber que a chuva apenas amainou um pouco e agora cai sutil e continuamente e nossa percepção é que está avariada pelo contínuo barulho da chuva, pelo vento frio ininterrupto, pela umidade que envolve, adentra e consegue empapar até o nosso psiquismo.
Chove, chove sem parar. O cinzento da atmosfera, a pouca luz, o silêncio dos outros sons que não seja o da chuva caindo; batendo, abrandando e se intensificando com o passar do tempo; atuam nas almas. Há um imenso silêncio, vez que até os pássaros se recolheram e quietinhos, encolhidos, mudos, cerram os olhos e ficam imóveis economizando energia e esperando novos sinais da natureza.
Abro o WhatsApp e me deparo com uma coletânea de músicas que alguém postou. Musicas de tempos vividos. A mente viaja passado afora, vem um ânimo bom, sinto companhia das lembranças, dos tempos idos, dos amigos e de coisas que a contemporaneidade das músicas, dos arranjos e das interpretações nos trazem. A chuva, a pouca luz, o acinzentado do tempo, a absoluta impossibilidade de atuar sobre a natureza; tudo aumenta nossa concentração e facilita a absorção de cada item contido na arte da música, da letra, do arranjo, da sonoridade dos instrumentos, das vozes, das expressões dos intérpretes.
A natureza nos manipula, nos burila, nos alegra e nos entristece a seu bel prazer. Também ela, a natureza, parece viver e se emocionar tanto quanto nós que nos percebemos indivíduos, mas somos apenas parte inseparável dessa chuva, desse vento, desse frio; dessa nossa mãe, a Natureza.
rilmar - janeiro 2020
segunda-feira, 11 de maio de 2020
MUNDOS TRANSCENDENTAIS
[18:58, 10/05/2020] Rilmar:
Ali os mundos se misturavam com inacreditável naturalidade
As aparições eram comuns, encontros com o sobrenatural frequentes, ao tempo em que também muitos entes celestiais nos visitavam.
Ninguém poderia negar já ter experimentado contatos com outros mundos diversas, muitas vezes. Fosse pelo medo, crença, fé, pela criatividade ou devido à sensibilidade aflorada por ingestão de alguma aguardente da região.
Todo mundo tinha medo ou, ao menos, muito respeito.
Mesmo os mais incrédulos se benziam várias vezes e, orando baixinho, se apegavam com Deus ou com seus santos de devoção quando por algum motivo perdiam a hora e tinham que percorrer tarde da noite as silenciosas ruas mal iluminadas com antigos postes de aroeira e lâmpadas amarelas que mal clareavam um círculo embaixo dos tortuosos postes que as sustentavam.
Havia ainda as corujas, os gatos os cães criados soltos, os bêbados, os ambulantes malucos imprevisíveis e, de raro em raro, um malfeitor a procura de vítimas.
No entanto, os seres do além eram a fonte mais costumeira de nossos medos.
As almas do outro mundo eram uma presença constante.
Ou porque estivessem ali à nossa vista, ou vindo em nossa direção e fossem aparecer a qualquer momento; ou porque andando sozinhos na noite lembrávamos delas e o medo nos tomava.
A gente tinha medo de olhar para a frente e vislumbrar alguma furtiva sombra brancacenta atravessando a rua ou andando na calçada à nossa frente.
As ruas, dos dois lados, além da sarjeta e a calçadinha mal preservada eram cercadas por grandes e antigos casarões e os imensos muros de taipa que os separavam escondiam sombrios quintais que além de demarcarem longas distâncias entre as casas, ainda se prolongavam para o fundo indo e
indo rumo à imensa escuridão.
Qualquer coisa real ou sobrenatural poderia habitar aquele ermo na quietude silenciosa da noite escura.
Havendo o habitat, o medo, as lembranças das narrativas ditas como verdadeiras, a fragilidade de um ser humano caminhando sozinho na noite; fica quase impossível não haver o predador temido, a alma que necessita falar com algum vivente para fazer alguma última confissão, para amedrontar; ou um ser do mal a serviço do tinhoso.
O medo e a fragilidade já são o bastante para nossa tortura, mas pioram quando temos que ir sempre em direção a um destino, nossa casa. Sem outros caminhos. Não ter como desistir. E ainda por sabermos que as pernas às vezes bambeiam nessas horas, não nos possibilitam fugir correndo uma vez detectado o perigo.
Persignar-se pode ser inútil.
Preces ficam, no mais das vezes, só na tentativa do balbucio descontrolado.
Fantasmas sem pressa podiam aparecer compondo filas de uma procissão de almas contritas, velhas, leves e lúgubres que deslizavam sem tocar o chão e iam desaparecendo na medida em que mergulhavam na penumbra bem lá a diante. Na medida em que desapareciam os mais da frente, o grupo do meio era nítido e, surgindo do nada, iam aparecendo mais e mais indivíduos recompondo as fileiras, de tal forma que a procissão parecia nunca se findar. -
Nem o nosso medo.
Outra hora eram crianças leves como brumas que, sem mais nem menos apareciam ao lado da gente, quase nos matando de susto e queriam nos acompanhar agarradas em nossa mão. Vultos sombrios podiam surgir vindo em nossa direção ou simplesmente nos fazendo companhia por um certo trecho e de repente desaparecerem deixando como rastro uma névoa gelada e apavorante.
Até mesmo anjos com suas auras suaves surgiam quase imperceptíveis, denotados apenas pela paz que sentíamos quando se faziam presentes. Às vezes era Nossa Senhora que vinha com seu manto imenso, sendo apenas percebida como uma presença alentadora.
Nossa Senhora geralmente vinha atendendo os clamores de criaturas frágeis, tementes, crentes e
fervorosas.
Talvez viesse pela nossa fé que nos momentos de perigo crescia muito. Pode ser também que o amor de mãe; ali todo mundo era filho de Nossa Senhora; a fizesse deixar o céu e se fazer presente nos acolhendo e protegendo com seu manto celestial e seu amor tão grandioso que conseguia ouvir um clamor balbuciado às pressas pelo ser que por mais insignificante e frágil que fosse, necessitava muito de proteção e amparo naquele momento.
Nunca se soube que alguém morresse ou enlouquecesse por causa dessas presenças ou desses medos.
Era o mundo.
Era a vida.
Quando um novo dia vinha, no abrigo das casas, as mentes clareavam e se contavam histórias sempre acrescentadas de mais seres, de temores, coragens e socorro do céu na última hora.
Houve um dia em que um menino percorreu aquelas ruas quando uma lua muito fraquinha caminhava pelo céu.
Era alta noite.
Os mesmos postes, a penumbra, os mesmos quintais.
Percorreu andando absorto, distraído, sem prestar a atenção nos seres que o cercavam. Se orava, suas preces tinham outro sentido; seu pensamento se ocupava por inteiro de um semblante, um rosto, duas trancinhas jogadas uma sobre o ombro e com uma flor a enfeitá-la e a outra às costas balançando solta ao embalo do caminhar pueril e cheio de encantos dela.
Num dos casarões, um vulto na janela tossia dando um derradeiro olhar à rua antes de se recolher e seguiu por uns momentos a imagem do menino.
Sendo um grande poeta, percebeu o que lhe, ia por dentro.
Encostou de leve a janela, tomou de um caderno e rabiscou um poema:
“Menino criança; seguindo na noite, envolto no frio e na solidão.
Menino sem medo, que tão distraído anda na noite,
do mesmo modo que segue na vida.
Quase imbatível, ungido menino;
Aí vai você, movido por esperanças, amor e vida.”
O menino seguiu sem se dar conta do que inspirara.
Passou pela procissão de fantasmas sem quase os notar. Chegou a esboçar um gesto ligeiro saudando, mas seguiu imperturbável. Veio uma criança tomar sua mão e ele apenas notou leveza e alguma frialdade, continuou pensando na menina, achando o mundo emocionante, vendo a vida luminosa e plena de coisas boas.
Logo adiante o pequeno fantasma desgarrou-se dele e o deixou ir no seu embevecimento.
Continuou assim ensimesmado até chegar em sua casa e empurrar cuidadosamente a porta semicerrada, por trás da qual uma cadeira se postava garantindo o fechamento.
Sua mãe, ainda acordada; as mães não dormem sem que o último filho chegue; abraçou-o beijando seus cabelos e adivinhando sua alma.
Pouco depois ambos dormiam despreocupados e seguros.
Muitos outros casos se contam de pessoas que andavam na noite ébrios de amor, de embriaguez ou de preocupações e transitavam indiferentes entre os fantasmas saindo incólumes de suas jornadas.
No entanto os casos de sustos, de palidez fantasmagórica de pessoas que chegavam em suas casas contando as desventuras acontecidas pela imprudência de perambular pelas ruas noite a dentro ocorriam corriqueiramente.
Não que a cidade fosse assombrada.
Não é nada disso.
Tinha seus entes transcendentais como todo lugar tem. Ali até era bom porque reinava uma espécie de pacto entre os vivos e os já idos. Havia uma boa convivência, nos limites do quanto isso é possível. Assustar-se faz parte desses encontros, mas maldade não, nunca houve. Às vezes, um tropeção, alguns arranhões acidentais.
Ao que tudo indica, vivos e idos conviviam em harmonia sem se perturbarem. Podiam, inclusive, ocupar num mesmo momento o mesmo espaço.
Ao menos os vivos, só vislumbravam as almas em condições e momentos especiais: A madrugada, a pouca luz, o silêncio a condição mental do que caminha solitário na alta noite.
Um conjunto de fatores propiciava flashes de percepções e até percepções mais duradouras.
Sempre que morria alguém, e ali todo mundo era muito conhecido de todas as pessoas; as aparições se exacerbavam.
Um medo, como se fosse uma névoa pairava por muitos dias nas mentes das pessoas.
Alguém reveria o morto em algum momento da noite e seria portador de alguma última mensagem para alguém e, só depois disso aquela alma seguiria seu destino ao encontro de Deus ou de seu julgamento em algum lugar do nosso imaginário consubstanciado em nossa fé.
Fantasmas ocasionais não chegavam a nos preocupar, mas recém desencarnado inconformado, confuso, ansioso querendo falar com a gente, deixava as pessoas apreensivas e até temerosas.
Dizia-se que o suicida era o pior ente para se ter contato. O suicida era um desesperado, condenado ao sofrimento eterno, revoltado, arrependido e aos prantos ou raivoso e vociferando maldições. Causava apreensões e temor, ainda mais porque sabia-se que com certeza ele viria várias vezes falar com alguém clamando por preces, por perdão, explicando motivos, mandando um último recado e falando da grande penúria em que agora se encontrava.
Sempre tive pena de quem se suicidava. Tinha muito medo mas também entendia com meu entendimento de criança, o quanto de sofrimentos havia de ter levado alguém a se suicidar.
Na época eram relativamente comuns histórias de suicídios. Romantizavam o suicídio.
Toda casa tinha um veneno formicida chamado Formicida Tatu que, uma vez ingerido, não tinha volta. Matava cem por cento das pessoas que o tomasse.
Com a Formicida Tatu, não era possível externar um desespero com uma tentativa de suicídio.
A tentativa nunca falhava.
Uma moça mal falada já tinha motivo para se suicidar. Fosse por ter feito sexo com o namorado antes de casar, uma relação fortuita, ou qualquer outra variação nesse mesmo caminho. As pessoas desesperadas por causa de uma dívida, traição, levar um fora do namorado, perda de emprego, grandes prejuízos: tudo era motivo para o suicídio.
06
Depois vinham as aparições no meio da noite para um sensitivo qualquer, inesperadamente no afã de se explicar ou falar sobre o arrependimento tardio.
Ao menos por umas duas ou três semanas, um certo medo pairava no ar.
Mais tarde proibiram a fabricação do formicida, amenizaram as pressões sociais, desmistificaram um pouco os modos de crer, adoçaram o sentido de honra e retiraram alguns pesos inúteis das costas das pessoas. Perdemos algumas nuances de felicidade mas ganhamos em liberdade, individualidade e clareza na nossa visão de vida.
Acho que hoje suicida-se menos.
Havia uma mocinha, nossa vizinha, não de muro, mas de cerca de arame, que era a criatura mais doce e humilde deste mundo. Simples, singela, bonita, discreta e trabalhadeira como ninguém.
Todo mundo queria ter uma filha assim, ou uma irmã, ou amiga.
Não fazia mal sequer a um inseto. Mas chegou na idade em que os hormônios acordam o corpo, enchem a mente de sonhos e ânsias, conferem atrativos tais que despertam no outro coisas semelhantes. O que é normal em toda a natureza, tinha na época que ser contido no ser humano, mais ainda na mulher. Quanto mais resguardado nela, mais buscado e incentivado nele. Quanto mais modos e táticas de se resguardar, mais artimanhas e caminhos buscado pelo outro, também impelido pela mãe natureza.
E a ação da natureza se faz de todos os modos seja no cheiro do corpo,num jeito de olhar, no aroma das flores, na brisa fresca, na noite cálida, nas oportunidades surgidas, na mente que torna tudo fácil e possível, que ignora perigos.
Foi assim que, bem no alvorecer da vida ela foi encontrada com o namorado numa casinha do quintal no meio da madrugada.
O que era para ser uma cena linda e o início de uma vida caso se desse entre dois seres irracionais da natureza; transformou-se num imperdoável escândalo na família que encheu a pobre e doce criatura de vergonha insuportável. acrescente-se aí o dedo hipócrita e acusatório da sociedade. Daí para o suicídio foi um passo.
A quase menina foi-se embora desse mundo e, acho que nem chegou nunca a aparecer para alguém. Se aparecesse seria na forma daquelas alminhas crianças que chegam nos tomando pela mão mas o faria tão gentilmente que não causaria susto nem frialdade em ninguém. Hoje eu penso que foi direto para Deus, tão criança, boa e pura que era.
07
Depois veio o caso da pedinte que morreu esmigalhada pelo trem de ferro, todo mundo a conhecia, e o rapaz morto numa briga boba na praça principal, e um quase de minha idade que morreu ao cair de um caminhão. Todos queridos e conhecidos de todo mundo.
São muitos os casos como esses e muitos com outra roupagem mas bastava o sino dobrar na igreja noticiando alguma morte, logo se ficava sabendo que era algum conhecido, daí vinham lembranças e tão logo chegasse a noite, aquele soturno receio como se fosse uma sombra ficava pairando na cabeça da gente e nos alertando para a possibilidade de um aparecimento em qualquer momento de solidão na noite. Vinham com avisos, conselhos, pedidos, recados, recomendações. Até os temidos acertos de contas eram possíveis . Não conseguíamos ficar em nosso normal diante da aparição. Ninguém gostava de viver a experiência. Por maior que fosse a coragem do vivente, ela se acabava logo.
A vida seguia nesse e no outro mundo. O tempo ia passando e o nosso mundo mudava. Os meninos ficavam moleques, os moleques se tornavam rapazes e muitos saiam para estudar fora enquanto a maioria se tornava mais sabida estudando nas escolas locais e lendo revistas em quadrinho. Uma evolução, mesmo que lenta ia se processando. Mais tarde melhoraram a iluminação das ruas. Os fantasmas continuavam frequentando a noite, mas as pessoas foram lentamente deixando de prestar atenção neles.
Mudaram-se muitos costumes, inclusive o de se contar histórias cheias de monstros e de aparições.
O medo arrefeceu-se paulatinamente.
Muita gente chegou no local, vinda de fora e tendo outras crenças, outras histórias para contar. Mas ainda hoje as gentes evitam passar pelo cemitério quando já é noite e, como a cidade quase não tem vida noturna, permanece o costume de todo mundo estar em casa antes das dez da noite e quem se atrasa por algum motivo, procura não andar só e leva sempre um patuá no pescoço ou um crucifixo pendurado para o caso de alguma surpresa.
No mais, é deixar que os mundos existam e saber que a convivência é natural e eterna.
08
Somos todos filhos de Deus e o que não sabemos nem percebemos é muito mais do que temos testemunhado.
04/5/2020
terça-feira, 5 de maio de 2020
Título do texto
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