terça-feira, 29 de outubro de 2019

MOMENTOS


Momentos - 05/9/19
Naquela tarde eu cantava alguma canção quase folclórica e, pelo costume antigo, não percebia que algumas palavras estavam totalmente erradas. Você me corrigia e eu teimava em discutir e garantir que o certo era eu.
Ainda não vivíamos os tempos de Google, esperei até encontrar em algum lugar a letra da música e você estava certa. Me desculpei, mas você fingiu zanga e não aceitou. Declarei o meu erro e disse que você estava certa. Você sorria com um rosto alegre, juvenil, lindo e um sorriso branco e adorável.
Insisti para que me perdoasse.
Nada!
Aproximou-se de mim, afagou-me o cabelo com mãos suaves e gesto cheio de amor.
- Você é muito cheio de si.
Disse.
- Não vou perdoar e pronto.
Comprimiu meu rosto contra você e continuou rindo e não perdoando.
Ah!... Como a amei intensamente naquele momento.
Meu Deus, como você estava linda! Espontânea, jovial, cheia daquela alegria que era só sua, que só existia em você; na sua presença, na expressão de seu rosto e em seu sorriso encantador.
A casa tão singela, tão humilde, com paredes rebocadas e sem pintura, o chão de cimento grosso, janelas frágeis, mas um lar que nos acolhia e que era iluminado pelo nosso momento, pela sua alegria irradiante, esfuziante. Pelo nosso modo de declarar nosso amor a todo instante e em cada gesto.
Meu Deus! Como você está bela e tão cheia de vida nessas lembranças.
Não precisa perdoar, basta me amar daquele tanto e deixar que eu a ame do mesmo modo que nos amamos naquele momento e em todos os momentos que tivemos para nós.
O tempo moveu-se em si mesmo.
O tempo só se move no tempo.
Não existe éter, ar ou vácuo onde o tempo possa se mover. Muda, passa, vai-se, mas sempre em si mesmo. O momento passou. Depois daquele, outros momentos vieram, duraram um certo tempo e desfizeram-se como soe sempre acontecer.
Passado o tempo, o presente, a gente lembra e tem saudade, mas urge ingressar em e viver novos momentos que já começam logo a acontecer. E os novos momentos vêm com sua própria capacidade de nos envolver com emoções, com sentimentos, sons, presenças; com vida enfim.
Veio a hora do jantar. Éramos só nos dois. As panelas tão pequenas, tão fumegantes, cheirosas, limpinhas, bem cuidadas. Nessa, arroz soltinho, na outra um picadinho verde, verdinho de chuchu; naquela o feijão marrom e apetitoso com cheiro de gordura de porco; outra panelinha com carne picadinha enfeitada com cebolinha e salsa, muito verdinhas.
De pé, à beira do fogão, você com um sorriso esboçado esperando eu dizer que tudo estava maravilhoso.
E estava.
E eu dizia que sim.
Como você está tão bela e alegrezinha nessa lembrança. Como você estava irresistível naquele momento. Como amei você no seu modo de me olhar enquanto destampava as panelas me exibindo o que fizera para nós.
Feitos os pratos, compostos como se obedecessem a algum protocolo: feijão no canto com uma nuvenzinha de farinha como cobertura, arroz bem branquinho completando a primeira camada da superfície redonda do prato depois, por cima, a carne e a porção de verdura. Uma fumacinha clara e leve desprendia trazendo um cheiro que era mistura dos cheiros de cada componente apetitoso do prato. Irresistível cheiro.
O melhor, o mais terno, o mais importante era sua presença ali na minha frente com seu rosto formoso e alegre irradiando ternura tanta.
Depois eu ajudei você a tirar a mesa, dois pratos, garfos, duas facas, vasilha de farinha, um vidro pequeno de pimenta de cheiro e, então, arrumar a cozinha.
Ouvimos músicas no rádio. Conversamos. Fizemos planos para o fim de semana. Concordamos que a fase era de luta, de construção do futuro; que o dia seguinte viria e eu teria que sair quase de madrugada para a faculdade e depois para o trabalho e que só estaríamos juntos novamente após um dia e meio. Mas era tão bom o nosso viver, nosso lutar, nossa busca. Amei você imensamente naquele momento, companheira de minha vida.
A amei na noite que foi curta demais para o tanto que era bom estar com você, amar, amar e amar. Ouvir sua respiração tão suave, tão doce e sutil. Presenciar seu sono e sentir a noite calma e agradável devido a sua presença mágica, encantadora, terna; cálida, cheia de paz e ternura. Em certos momentos eu tentava mudar minha posição na cama, com cuidados para não perturbar seu sono, mas você movia suavemente a cabeça voltando os olhos para mim, mesmo fechados, como se me vigiasse. Deixava escapar um leve, um quase silencioso murmúrio como se queixasse, entreabria para isso dois lábios róseos, delicados e tão perfeitos que eu passava longos momentos perdido e os apreciando dentro da noite. Por fim o sono vinha como um manto e nos envolvia juntos nos mesmos sonhos, no mesmo sono, na mesma nuvem de sentimentos.
Ainda na madrugada, antes do início do dia, eu partia em busca do presente e do futuro. Você se despedia da janela. Tão linda, tão jovem, tão sublimemente encantadora. Ficava só numa casa quase vazia, mas sorria abanando a mão. Em uma solidão voluntária, inventando coisas para fazer e a minha espera. Deus nos ouviu e nos deu um ao outro bastaria isto para uma vida valer a pena. Mas depois Deus nos deu mais e mais.

Uma Rosa ao Pé do Muro

Uma Rosa ao pé do Muro

Isso foi há muito tempo.
Era de manhã. Eu passava por um quintal cercado de muros
. Bem ao pé de um dos muros vicejava uma pequena roseira.
Mais definhava que vicejava. Mas tinha algumas folhas verdes e emitia brotos ansiosos pela vida.
Bem no meio daqueles ramos, erguendo-se mais que eles como que para se mostrar; uma rosa vermelha com tons escuros permeando o colorido. Uma Príncipe Negro, talvez.
Gotas de orvalho aqui e ali, nas pétalas aveludadas que além de nos cativar pela singela beleza ainda emanavam um perfume tão sutil e agradável que nos levava e nos curvar e aproximar a face da flor para melhor sentir o aroma.
Era eu ainda criança. Sabia pouco da vida. Sentia mais que sabia.
Ao aproximar meus olhos daquela flor, percebi espinhos no galho que a sustentava. Vi também formigas indo e vindo rápidas numa faina insana de ordenhar uns poucos pulgões que habitavam o cálice onde a flor se aninhava.
Meu amor pela flor foi imediato.
Não, guardá-la para mim; não, de arrancá-la de seu galho onde vicejava e encantava as gentes. Mas de protegê-la, de cortejá-la longamente, de revê-la muitas vezes, de saber que ela ali estaria radiante e bela para que todos a vissem e revissem. Para que seguisse perfumando o ar e encantando os olhos.
O velho muro atrás da roseira, roseira de uma única rosa, era branco amarelado e manchado de espaço em espaço, de grandes máculas irregulares e escuras semelhantes a nuvens. Na sua inserção na terra havia também aqui e acolá, nichos de musgos de um verde sombrio.
A criança, a rosa, o espinho, as formigas indo e vindo, os pulgões e os musgos.
Se alguém se detivesse para uma fotografia, ou capturasse aquela cena para um quadro, por certo guardaria uma imagem capaz de encantar plateias.
Ninguém se deteve.
 Só a criança.
Eu.
  Depois de algum tempo acomodei-me sentado em uma pedra que encontrei por perto e me detive alheio ao mundo e namorando a flor.
Quis eliminar alguns espinhos que achei não combinarem muito com  ela, também quis esmagar as formigas que parasitavam os parasitas da flor. Algum clamor da natureza me aconselhou a me deter pois também eu ali estava usufruindo o perfume, a beleza e a interação entre a terra, o sol, a magia de Deus e os seres  que em seu conjunto compunham a vida.
Deixei-me ficar ali por algum tempo distraído.
Quando já me levantava para ir embora, ainda veio um casal de borboletas voejando, se tocando e, vez por outra beijando a rosa. Duas borboletas amarelo ouro, refletindo luz, rebrilhando no bater das asas sob a luz do sol.
Pensativo, encantado me afastei em direção à minha casa. Saíra para comprar alguma coisa e já não me lembrava mais o que era.
Naquele mesmo dia, já à tardinha, ainda voltei com uma latinha de água e reguei a planta, e revi a rosa que estava mais bonita ainda e, parece que me aguardava.
Detive-me por uns momentos embevecido diante dela. Cheguei a dizer alguma coisa, mas ela se manteve muda, apenas exalando perfume e exibindo sua beleza. Se houve alguma resposta foi quando um derradeiro raio de sol pousando sobre suas pétalas a iluminou e, como num palco mágico, exuberou  ainda mais seu encanto e beleza e impregnou-me ainda mais de sentimentos ao pensar que ela se exibia para mim. 
Como a penumbra do fim de dia já envolvesse tudo, tive que deixá-la e voltar ao lar.
À noite adveio uma tempestade de chuva grossa, relâmpagos imensos e ruidoso vento.
Felizmente eu dormia aconchegado à minha mãe e protegido.
Na manhã seguinte, preocupado, voltei lá. A pedra, o muro, a roseira lá estavam, porém, a minha rosa tinha ido embora. O mais certo é que tenha sido a tempestade, porém pode ser que algum enamorado a tenha colhido e presenteado uma musa e que então a flor estaria perfumando uma casa e enfeitando uma mesa, repousando em um algum vaso e deixando cair uma a uma, suas pétalas coloridas.
Talvez cumprisse apenas seu destino de rosa. Não serem eternas. Pouco mais que efêmeras é o que são.
Só restava ali, um caule vazio e a roseira tristonha com alguns brotos ainda mais viçosos e em busca de vida e com esta, com certeza nova rosa, mas nunca mais aquela que chamei de minha.
                                                                   Rilmar - 19/5/2019

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Dona Magnólia Virou Santa

                  DONA MAGNÓLIA VIROU SANTA
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Bebia umas pingas de vez em quando, ia pouco à igreja, rezava a todo instante. Era temente a Deus, boa e caridosa. Resignada com a vida, com o trabalho, com a criação dos três filhos, sem ter marido e morando numa casinha que parecia um forninho de assar biscoitos no fundo do quintal. Era um local meio sem dono numa área próxima ao chamado Corte dos Urubus, que era um corte no morro onde ela morava, feito para a passagem do trem-de-ferro.
Nem água encanada, nem esgoto, nem energia elétrica.
 Dentro da casa não tinha quase nada a não ser os catres, arremedos de camas com capins ensacados servindo de colchão. O fogão era um amontoado de pedras rejuntadas com barro de cerâmica cavoucado ali por perto. Lenha eram paus tortuosos buscados no cerrado ou furtados na beira da estrada de ferro.
Rezava muito, pedia a Deus e agradecia à toda hora ao que Deus fazia por ela, pelos seus e pelas pessoas de quem ela gostava. Estar viva, não ser atacada por malfeitores nem por inimigos anônimos, não ver fantasmas, ser guardada contra as maldades do capeta, adoecer pouco, ter seus filhos vivos e sem doenças aparentes. Acho que é por essas coisas que ela tanto agradecia.
Dona Magnólia xingava nomes feios de vez em quando, falava a palavra desgraça e chamava o capeta por apelidos como romãozinho, temerosa de pronunciar o nome verdadeiro do coisa ruim.
Trabalhadeira como ninguém. Lavava roupa de ganho. Lavadeira.  Nunca brigava com a patroa, nem mesmo quando traziam umas roupas sujas já no final da lavação, quando a mala já estava quase acabando. Mascava fumo, falava sozinha, e tinha poucos dentes. Cuspinhava de vez em quando jogando o cuspe amarronzado da mascação de fumo longe e de banda.
Não sei como é que conseguia trabalhar daquele tanto tendo braços tão finos. Seus braços eram fininhos desde aqui em cima, descendo pelo antebraço e incluindo as mãos e cada dedo. Os cotovelos de tão desprovidos permitiam a visualização anatômica perfeita dos encaixes. Seus cabelos, meio encarapinhados eram ralos e curtos. Sempre penteadinhos e no mais das vezes cobertos com um lenço improvisado com um retalho de algum lençol velho. A cabeça também era pequena e o pescoço fino, fino. O corpo era mirradinho e se continuava por pernas e coxas exíguas; fininhas. Os pés miudinhos, de aparência frágil, tinham solas ásperas sofridas e com algumas trincaduras nos calcanhares. Só a leveza de seu corpo poderia explicar o porquê daquelas pernas e pés serem capazes de sustentar e carregar aquele ser de casa para o serviço, zanzar na beirada do tanque o dia inteiro e ir incontáveis vezes do tanque para o quintal onde estendia as roupas nos arames, sempre em solilóquio, murmurando alguma prece ou remoendo lembranças. Almoçava junto conosco e comia o que nós comêssemos além de dar um prato para a filha que não desgrudava dela e era também muito magrinha e mirrada.
No fim do dia, saía levando o ganho do dia e alguma coisa de presente que minha mãe lhe dava, qualquer coisa,  geralmente comida, e as mesmas pernas mirradas e fininhas passavam com ela num boteco bem no final da rua onde ela tomava lá uma boa pinga, talvez comprasse um pedaço de fumo para a mascação; a companhia de suas mágoas;  para um outro jeito de ver o mundo; o consolo pelo companheiro que não tinha. Acho que tudo estava ali naquele gole de pinga e no naco de fumo que levava para aliviar as dores de dentes, desinfectar a boca e propiciar um sono bom na miséria do abrigo onde se aninhava durante a noite.
Não ia tanto à igreja, mas comparecia nas casas onde rezassem o terço, festejassem dias santos e aceitassem de bom grado sua presença. Também acompanhava alguma procissão, cantando ladainhas misturada com outros cristãos. Nas tempestades gritava por santos consagrados para as ocasiões e inteirava invocando outros santos de sua devoção.
Sua religiosidade era inquestionável.
Demonstrava sempre muita fé. 
Pecados, talvez não os tivesse e, se aqui ou ali cometesse um ou outro pequeno deslize; certamente os purgava logo em seguida devido à vida de sacrifícios e resignações que levava.
Era boa, humilde e trabalhadeira. Todo mundo gostava dela.
Muitas e muitas vezes vi seu vulto se afastando na boca da noite indo embora para sua casa. Tantas e tantas vezes a vi chegando com seu vestidinho puído, ralo, caído sobre o corpinho miúdo e magro, sempre mascando um pedacinho de fumo e exibindo a exiguidade de seus dentes. Os da frente eram apenas um canino e um incisivo, mais para o lado direito. O pedaço de fumo disfarçava as outras falhas. Sua presença era benfazeja e esperada. Tomava um café com alguma quitanda, de pé no meio da cozinha e já ia caminhando em direção ao tanque de roupas.
Acho que o dia dela vir era sempre nas quartas-feiras. Chegava de manhã e ficava até quase o fim do dia. Já era um costume dela e nosso.
Um dia ela não veio...
Não apareceu por muitos dias. Até que nós, crianças percebemos e perguntamos uns aos outros primeiro e, depois perguntamos aos adultos.
Dona magnólia morreu!
Mas como, se ela nem estava doente.
Tão magrinha, tão mirradinha, comendo pouco, mascando fumo, tomando uma pinga no fim do dia, dormindo mal acomodada e cercada de barbeiros; sempre cantarolando, falando sozinha, deixando às vezes, escapar uma lágrima no canto do olho. Mesmo assim, ao nosso ver de crianças, sadia, sã, forte.
Na nossa cabeça de meninos as pessoas são de um certo jeito e pronto. Dona Magnólia era daquele jeito mesmo.
Não era...
 Era doente e sofrida. Tinha uma natureza de ferro e por isso passava a impressão de que era daquele jeito mesmo e que assim iria viver anos e anos como todo mundo.
Não viveu...
Morreu dormindo, do jeitinho que se deitou morreu. Talvez nem tenha sofrido. Deve ter feito suas preces, conversado com Deus e, dormindo, no correr da noite morreu.
Dona Magnólia era sem dúvida uma alma santa.
Deve ter ido para o céu.
Achamos que ela foi direto para Deus.
Os adultos, a cidade, a igreja, as autoridades; ninguém percebia sua santidade, a não ser as crianças que admiravam aquela criatura tão sem queixa, ser tão mirradinha e estar sempre ali trabalhando e cantarolando como se estivesse continuamente feliz.
 Não pensamos em bispos nem papa, nem nas freiras, nem no padre. Resolvemos canonizá-la, nós mesmos; os meninos e meninas.
 Ninguém nos daria ouvidos.
 A beatitude varia muito conforme as pessoas que se reúnem para atribuí-la a alguém.
Mais santa, mais crente, mais resignada, mais sofrida e conformada do que ela, a agente nunca viu ninguém. Mais extremosas com a filha que estava sempre grudada nela e para a qual ela tirava da boca para alimentar, nunca tínhamos visto.
E o tanto que ela acarinhava e beijava aquela filhinha várias vezes no dia e carregava no colo com as forças dos braços franzinos e das pernas tão fininhas.
A maneira como foi criada, no serviço, analfabeta, ciente de seu lugar no mundo, comendo o pouco que lhe dessem; talvez por isso os neurônios não fossem tantos ou tão capacitados. O fato é que só era capaz de ser simples e humilde. Nunca lhe ocorreram projetos maiores ou mais abrangentes.
Ninguém haveria de ter tanta paciência quanto ela que nos tolerava sem levantar sequer a voz para pedir que controlássemos nossas diabruras ali por perto do tanque, enquanto ela lavava a trouxona imensa de roupas imundas da molecada.
Dona Magnólia vai ser santa. Se não for de todas as pessoas, será, ao menos nossa santa.
Improvisamos um altarzinho no canto do muro, acendemos duas ou três velas, tomamos um rosário emprestado dos guardados de minha mãe; também uma velha Bíblia que ficava sempre numa gaveta reservada lá no quarto de meus pais, nós pegamos por empréstimo.
Alguém mais letrado, delineou o culto, fez uma lista de frases e orações que deveriam ser pronunciadas lentamente e com muita fé. O culto incluía, além das rezas, sacrifícios de se ajoelhar no chão bruto, permanecer ajoelhados um certo tempo, contritos, de braços cruzados, sérios e com o pensamento voltado para Deus.
E íamos repetindo coisas já ouvidas nas novenas, nos terços, nas rezas de ofertórios a santos populares e depois rogávamos a Deus que santificasse Dona Magnólia. E dávamos nossos testemunhos do quanto ela era boa, e pura, e   temente a Deus, do quanto tinha sofrido durante a parte de sua vida que presenciamos. Ressaltamos o fato de ela não ter marido que a ajudasse no sustento e a protegesse. Pedimos perdão pelos seus pequenos vícios. Por fim derramamos sobre ela, que deveria estar ali em espírito, nosso amor e gratidão por tudo de bom que tinha feito para nós o tempo todo. 
Deus aceitou.
Nosso íntimo, nossos corações, nossa fé, nossas alminhas; em certo momento nos disseram isso.
Depois fomos lentamente contando para as pessoas que Dona Magnólia agora era uma santa.
Dias depois fizemos uma linda missa no quintal em louvor a Dona Magnólia. A presença de público foi fraca. Mas, nós, os canonizadores comparecemos e até conseguimos mais alguns adeptos. Pessoas simples, crédulas, necessitadas, desesperadas, nós e mais algumas crianças que acharam interessante aquilo que estávamos fazendo.
Aí, começaram os milagres.
 Testemunhos e mais testemunhos de que coisas maravilhosas haviam acontecido na vida de pessoas que estiveram na missa e até de dos que nem sabiam que tinha havida a missa, porém lá na missa alguém havia pedido por elas.
A beatificação começou a se espalhar pela cidade. Chegou na igreja...
Vieram as proibições, as reprimendas, as conversas com os pais. Tudo serviu para divulgar mais e mais o nosso ato.
A partir daí a beatificação se consolidou entre os humanos.
 Lá no céu, certamente havia até festa pela chegada de Dona Magnólia que em sua simplicidade deve optado por permanecer com a mesma aparência com a qual a conhecíamos: Nem bonita nem feia. Apenas ela, Dona Magnólia; agora Santa Magnólia. Mirradinha, franzina, magrinha de pernas e braços muito finos, boca desprovida, olhar doce e humilde, mas acrescida agora de um envoltório de luz e a auréola que ela sempre imaginou que os santos ostentavam sobre a cabeça.
Santa Magnólia, rogai por nós!... Não nos queira mal, somos apenas humanos.
Rilmar – 15/10/2019