quarta-feira, 30 de setembro de 2020

IPAMERI - UM DIA EU VOLTO

 

IPAMERI

Um Dia Eu Volto...

                                                                                                           rilmar - 02-07-2019

Volto sim.... e te reconstituo ao jeito, tempo, modos e maneiras como te deixei. Com as ruas ladeadas por canteiros de gramas, com as sarjetas de pedra. E as calçadas rústicas, e as casas habitadas por pessoas receptivas, simpáticas e conhecidas. Alguns cachorros nas ruas. Bares, farmácias, armazéns, padarias e açougues tudo colocado em pontos sabidos e conhecidos. Horários de funcionamento sobejamente sabidos.

Voltando, eu te refaço.

Reconstruo cada detalhe da cidade que deixei. Também eu me reconstituo e corrijo rumos e caminhos que naquela época deixei de percorrer ou o fiz de maneira equivocada e assim, não cheguei a tempo e a hora onde queria.

Quero minha cidade do mesmo jeito, quero ser aquele menino que andava pela vida cheio de sonhos. Porei juízo naquela cabeça para que sonhe só sonhos de ficar, de não ir embora, de não abrir mão daquele mundo, por nada.

Vou dizer às pessoas que as quero, que são importantes para mim, que há uma interação indissolúvel entre cada uma delas e meu viver.

Vou me declarar aos amores que pretendi e nem sequer cheguei a dizer isso a qualquer delas. Ficou, pois, esse segredo preso e irrespondido dentro de mim. Seriam nãos com certeza. Mas teriam que ter sido ditos. Voltando no tempo e no espaço, eu os direi. Vou me reconciliar com muita gente. Vou pedir desculpas. Vou abrir o coração.

Quero você de novo Ipameri. Quero andar em ruas quase sem carros; caminhar em silêncio chutando pedrinhas ou caroços de mangas; distraído, pensando mil coisas, ouvindo pessoas me alertarem amistosamente.

 Meus quintais imensos indo até o córrego na rua Goiás.

Quero dormir ouvindo músicas dos parques de diversões instalados na praça do rosário.

O jardim, as moças passeando de braços dados, indo e vindo andando

na calçada da praça. Os sinos chamando para a missa, a Ave-Maria tocada na torre da Igreja. Católicos e crentes fervorosos recomendando vida reta e comportamentos cristãos.

A simplicidade. O barulho dos trens de carga nas madrugadas vindo num crescendo se aproximando e depois irem se afastando na imensidão da noite até mergulharem lentamente no silêncio da distância; minha mãe atenta, comovida e nos ensinando os sentimentos que isso inspirava. O rumor e burburinho dos trens de passageiros. O ribeirão piscoso, acolhedor, amigo; o Rio do Braço cuja distância de légua e meia era considerada longe para se ir a pé.

Quero percorrer minhas escolas; abraçar colegas; trabalhar de novo na Tipografia Minerva, no Umuarama. E vagar pelos cerrados, pelas beiras de córregos, subir nas mangueiras frondosas tentando pegar a última e derradeira manga que se exiba nas grimpas de um pé de manga desafiando a molecada.

Volto sim e é para ficar e nunca mais te deixar.

Se esse amor ainda não declarei da maneira devida e no tom tonitroante que meu peito clama; agora o faço: EU TE AMO IPAMERI!

terça-feira, 15 de setembro de 2020

O Sete de Setembro em Ipameri

 

O Sete de Setembro em Ipameri

 

Não acontecia em um dia só, ou em uma semana.  Era um período que começava por volta de meados de agosto, e ia se intensificando nos treinamentos e preparativos até atingir uma certa perfeição e com um entusiasmo esfuziante e envolvente capaz de englobar cada cidadão, cada família e toda a cidade.

O 6* Batalhão de Caçadores ruflava seus tambores, ecoava seus clarinetes e seus soldados marchavam com passos tão firmes e sincronizados que o ruflar, os clarins e a batida firme dos pés contra o solo faziam a cidade tremer. Um tremor compassado, rítmico, firme, vibrante, cheio de um patriotismo contagiante, capaz de mexer com a gente e ir, dia a dia, enchendo as almas e os corações de um patriotismo vibrante, pujante, pleno de amor à pátria.

Um ufanismo intenso e crescente a cada dia.

O momento era de extravasar todo o amor à pátria.

A pátria era nossa, nosso lugar, rincão, refúgio. 

Pátria Amada Brasil.

Cada escola se preparava esmeradamente para o sonhado dia do desfile. Sete de Setembro, dia da Pátria, da Independência.

Em cada casa havia um movimento de preparação para que os jovens estivessem vestidos e calçados de acordo com o padrão da escola: Calças ou saias impecáveis, lavadinhas, passadinhas, costuradinhas, remendadinhas, sem faltar botões.

Tênis branquinho, novo ou recomposto com água, sabão e alvaiade.

Quem não fosse desfilar também deveria estar apresentável, de banho tomado, a melhor roupa, cabelos penteados; as mulheres empoadas e com uma pinturinha, algum adereço; pois afinal iriam ver alguém da família passar marchando em sua escola olhando para a frente, passo firme e certo, corpo ereto, peito estufado, exalando orgulho e patriotismo.

Cada escola tinha um padrão de mais ou menos luxo, mas todas se empenhavam ao máximo nos treinamentos que iam desde o mês de agosto até o Sete de Setembro que era a apoteose.

Na minha escola a gente treinava com tambores bem simplesinhos, quase que improvisados e um ou outro que se conseguia emprestado. Na fase de treinamento o importante era treinar o passo, manter o alinhamento de filas e colunas, observar a distância entre o que ia à nossa frente e a gente. Para treinar, a roupa era o uniforme quase sempre muito gasto, barras às vezes puídas, desbotado, singelo ao extremo. O calçado era o que tivesse, se tivesse.  Sapatos desgastados, botinas, pés descalços, um pé calçado outro não; tudo podia. As meninas costumavam ser mais arrumadinhas e cuidadosas. Já tinham lá sua vaidade e seus propósitos.

E lá íamos nós, em marcha treino pelas ruas. Nossa professora que era também diretora, orientadora pedagógica, chefe de disciplina e proprietária da escola;  queridíssima por nós todos; ia acompanhando e escolhendo as ruas de piso mais macio e sem espinhos, de forma que fossem apropriadas para todas as condições de pés desde os bem calçados, os semi-calçados, até os  totalmente descalços.

Todos patriotas de peitos arfantes e prontos para amar e defender o nosso Brasil, dia e noite, a qualquer preço.

Ainda antes que chegasse o dia do desfile, o Exército cedia um fragmento de sua portentosa banda e um sargento para dar os últimos retoques nas escolas. O comando firme, a presença tão ilustre, o tarol bem percutido, o tamborzão surdo, sacudindo nossos tímpanos à cada batida firme do soldado de farda verde: Tudo levava a gente a se sentir verdadeiros e heroicos guerreiros prontos a lutar pela pátria até à morte, frente a quaisquer inimigos.

Chegado o dia, depois de muita peleja, muitas ordens, chamadas à disciplina, exaltação ao brio, à necessidade de nossa escola fazer bonito; recomendações de mais e mais amor à Pátria: Finalmente estávamos em forma.

A banda reforçada por um empréstimo de outra escola e um soldado do exército.

Um Colégio com grandes bandeiras fora escolhido para abrir o desfile, depois viria um outro, depois o Grupo Escolar Estadual, depois o Ginásio Estadual com todo o seu orgulho e tradição, vigor e majestade; não sei se tinha mais alguma escola, mas finalmente chegava nossa vez e, depois de nós o Exército fechando imponentemente o desfie.

Tam... tam... tararam tamtam... tararam... tararam... Era nossa bandinha e nossa escola passando plap... plap...; plap... plap...;faziam nossos pés batendo contra o solo, Acerta o passo| Olha pra a frente! Um... dois... um... dois...!

E as palmas, merecidas ou não, ecoavam na medida em que íamos passando por nossa torcida. 

 É, tinha até torcida.

E quando finalmente o desfile acabava, os patriotinhas mirins e todo mundo, menos o Exército que tinha lá sua disciplina rígida, saíamos em desabalada carreira, impando de vaidade, de alegria, de liberdade e voávamos em direção às nossas casas, rindo, conversando, comentando e loucos para chegar em casa e ouvir os comentários a respeito do desfile, do desempenho das escolas e de nosso desempenho.

Ainda haveria de passar mais uma semana até que os arroubos de patriotismo fossem se acalmando, sem nunca se extinguirem, dentro de nós.

Viva nossa Independência! Viva o Sesquicentenário de nossa Ipameri!

Rilmar – 11/09/2020