O
Sete de Setembro em Ipameri
Não
acontecia em um dia só, ou em uma semana.
Era um período que começava por volta de meados de agosto, e ia se
intensificando nos treinamentos e preparativos até atingir uma certa perfeição
e com um entusiasmo esfuziante e envolvente capaz de englobar cada cidadão,
cada família e toda a cidade.
O
6* Batalhão de Caçadores ruflava seus tambores, ecoava seus clarinetes e seus
soldados marchavam com passos tão firmes e sincronizados que o ruflar, os
clarins e a batida firme dos pés contra o solo faziam a cidade tremer. Um
tremor compassado, rítmico, firme, vibrante, cheio de um patriotismo
contagiante, capaz de mexer com a gente e ir, dia a dia, enchendo as almas e os
corações de um patriotismo vibrante, pujante, pleno de amor à pátria.
Um
ufanismo intenso e crescente a cada dia.
O
momento era de extravasar todo o amor à pátria.
A
pátria era nossa, nosso lugar, rincão, refúgio; Pátria Amada Brasil.
Cada
escola se preparava esmeradamente para o sonhado dia do desfile. Sete de
Setembro, dia da Pátria, da Independência.
Em
cada casa havia um movimento de preparação para que os jovens estivessem
vestidos e calçados de acordo com o padrão da escola: Calças ou saias
impecáveis, lavadinhas, passadinhas, costuradinhas, remendadinhas, sem faltar
botões.
Tênis
branquinho, novo ou recomposto com água, sabão e alvaiade.
Quem
não fosse desfilar também deveria estar apresentável de banho tomado, a melhor
roupa, cabelos penteados, as mulheres empoadas e com uma pinturinha, algum
adereço; pois afinal iriam ver alguém da família passar marchando em sua
escola; olhando para a frente, passo firme e certo, corpo ereto, peito
estufado, exalando orgulho e patriotismo.
Cada
escola tinha um padrão de mais ou menos luxo, mas todas se empenhavam ao máximo
nos treinamentos que iam desde o mês de agosto até o Sete de Setembro que era a
apoteose.
Na
minha escola a gente treinava com tambores bem simplesinhos, quase que
improvisados e um ou outro que se conseguia emprestado. Na fase de treinamento
o importante era treinar, manter o alinhamento de filas e colunas, observar a
distância entre o que ia à nossa frente e a gente. Para treinar, a roupa era o
uniforme quase sempre muito gasto, barras às vezes puídas, desbotado, singelo
ao extremo. O calçado era o que tivesse, se tivesse. Sapatos desgastados, botinas, pés descalços,
um pé calçado outro não; tudo podia. As meninas costumavam ser mais
arrumadinhas e cuidadosas. Já tinham lá sua vaidade e seus propósitos.
E
lá íamos nós, em marcha treino pelas ruas. Nossa professora que era também
diretora, orientadora pedagógica, chefe de disciplina e proprietária da
escola; queridíssima por nós todos; ia
acompanhando e escolhendo as ruas de piso mais macio e sem espinhos, de forma
que fossem apropriadas para todas as condições de pés desde os bem calçados, os
semi-calçados, até os totalmente descalços.
Todos
patriotas de peitos arfantes e prontos para amar e defender o nosso Brasil, dia
e noite, a qualquer preço.
Ainda
antes que chegasse o dia do desfile, o Exército cedia um fragmento de sua
portentosa banda e um sargento para dar os últimos retoques nas escolas. O
comando firme, a presença tão ilustre, o tarol bem percutido, o tamborzão surdo
sacudindo nossos tímpanos à cada batida firme do soldado de farda verde: Tudo
levava a gente a se sentir verdadeiros e heroicos guerreiros prontos a lutar
pela pátria até à morte, frente a quaisquer inimigos.
Chegado
o dia, depois de muita peleja, muitas ordens, chamadas à disciplina, exaltação
ao brio, à necessidade de nossa escola fazer bonito; recomendações de mais e
mais amor à Pátria: Finalmente estávamos em forma.
A
banda fora reforçada por um empréstimo de outra escola e um soldado do
exército.
Um
Colégio com grandes bandeiras fora escolhido para abrir o desfile, depois viria
um outro, depois o Grupo Escolar Estadual, depois o Ginásio Estadual com todo o
seu orgulho e tradição, vigor e majestade; não sei se tinha mais alguma escola,
mas finalmente chegava nossa vez e, depois de nós o Exército fechando
imponentemente o desfie.
Tam...
tam... tararam tamtam... tararam... tararam... Era nossa bandinha e nossa
escola passando plap... plap...; plap... plap...;faziam nossos pés batendo
contra o solo, Acerta o passo| Olha pra a frente! Um... dois... um... dois...!
E
as palmas, merecidas ou não, ecoavam na medida em que íamos passando por nossa
torcida.
É, tinha até torcida.
E
quando finalmente o desfile acabava, os patriotinhas mirins e todo mundo, menos
o Exército que tinha lá sua disciplina rígida, saíamos em desabalada carreira,
impando de vaidade, de alegria, de liberdade e voávamos em direção às nossas
casas, rindo, conversando, comentando e loucos para chegar em casa e ouvir os
comentários a respeito do desfile, do desempenho das escolas e de nosso
desempenho.
Ainda
haveria de passar mais uma semana até que os arroubos de patriotismo fossem se
acalmando, sem nunca se extinguirem, dentro de nós.
Viva
nossa Independência! Viva o Sesquicentenário de nossa Ipameri!
Rilmar
– 11/09/2020
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