Ontem morreu um poeta!...
De causa quase desconhecida.
Morreu após um momento de profunda reflexão.
Morreu, não de todo. Os olhos ainda se alongam em direção ao horizonte; as mãos finas e um tanto esquálidas ainda comprimem outras mãos sem, no entanto, transmitir qualquer sentimento. No peito um coração descompassado e isquêmico ainda se esforça para injetar vida num corpo sem alma.
Uma alma que de tanto se apertar dentro de um peito sofrido, de tanto curtir solidão, de tanta desesperança, de tanto olhar tristemente um torno de si; não se conteve: Recolheu-se num recôndito do interior do poeta e rompeu para sempre o seu compromisso com a vida.
Ali vai o poeta sem alma.
Perambula apenas, não passeia.
Embora milhões de reações metabólicas ainda aconteçam energizando seu corpo, não há mais uma alma que sinta, que viva e transmita sentimentos.
Ontem, um poeta desanimado e só, voluntariamente abriu mão da vida. Pensa, portanto existe, mas, não degusta, não sofre, nada sente. Tornou-se impermeável ao mundo.
Acicatado não move um só músculo; achincalhado não ouve; humilhado permanece incólume e com o mesmo porte sereno; ignorado, apenas segue usufruindo a condição de poder vagar despercebido .
Sem alma, sem sonho, sem ilusão; ainda assim: poeta.
Sem norte e sem horizonte vagueia, não no mundo; permeia o universo.
Ali vai o poeta que ontem morreu...
(1990)
Leia mais: A Morte do Poeta - por Rilmar
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