O Natal naquele ano que ainda guardo na memória, mas a história talvez não registre; ocorreu de forma tão ideal, que chego a duvidar de minha memória. Por outro lado, minha imaginação não conseguiria compor um quadro assim.
Era véspera de natal. A cidade se agitava com o povo comprando, indo, vindo, providenciando dinheiro, tomando empréstimos; angustiando-se uns, alegrando-se outros e, mais além, atrás dos balcões, a expectativa de grandes vendas.
Natal sem novidades. Mensagens de Boas Festas, telegramas insípidos. Indiferença entre os homens.
A partir de um dado instante que não sei precisar bem, mas posso garantir que era dia, talvez no pôr do Sol. Alguma coisa aconteceu!... Não, não foi um fenômeno instantâneo. Iniciou-se em dado momento, mas evoluiu, intensificou-se até expressar-se em sua plenitude. E isso levou algum tempo. Esse tempo foi o de um entardecer com o sol acima do horizonte, envolveu maravilhoso por de sol de verão com nuvens coloridas fulgurantes adornando a imensidã; até quando a estrela papa-ceia já brilhava intensamente no céu para enfeitar a noite que se iniciara.
Foi como se imensa e impalpável nuvem de sutil e benfazeja vibração, de repente, descesse e envolvesse os homens, os animais, as ruas, as casas, tudo.
Talvez, advinda de Deus, vagasse há milênios no espaço com a determinação de naquele dia, naquela noite, descer sobre um povo.
Aquele pedaço de mundo se transformou.
Os altíssimos caminharam para o povo; os marginalizados, os mais humildes, todas as camadas rumaram para uma mesma posição. E houve igualdade com respeito mútuo, tolerância, concessões.
A emanação divina, no seu envolvimento, libertou as mentes de todos aqueles sentimentos que infelicitam e dividem os homens. Puderam então o amor, a compreensão, a solidariedade e a alegria se expressar na plenitude de suas potencialidades.
E todos foram felizes nesse estado de alma.
Um carro parou, alguém desceu e amparou o velho trôpego que tentava galgar os degraus de uma escada; medicou uma que gemia sua dores, recolheu outro que jazia estirado à beira de um passeio e, seguiu semeando boas ações.
Na esquina adiante, dois que discutiam por causa de uma batida de carros, pararam em dado momento, olharam-se espantados, sorriram, trocaram um abraço e notaram que brigavam por pouco mais que nada.
Alguém bateu à minha porta pedindo comida. Eram cinco crianças maltrapilhas e sujas. Ao invés de incomodar-me o aspecto, encantaram-me as expressões das faces infantis. Convidadas para jantar, entraram, comeram com alegria e saiam agradecidas; então perguntamos pelos seus pais.
- Meu pai anda doente há muito tempo, não trabalha; minha mãe só faz serviços pesados e ganha muito pouco.
-Convidai-os também. Além de comerem podemos tentar ajudá-los de outras formas.
Depois daqueles vieram outros e nós os recebemos com alegria.
Quando os alimentos estavam prestes a se acabar, os vizinhos vieram e trouxeram mais comida, mais alegria, mais amor e dividiram conosco e com nossos convidados.
Os que davam e os que recebiam se tratavam com amizade, simpatia e igualdade.
Em tudo se percebia o toque divino.
A esperança renasceu nos homens.
Logo adiante, um mendigo repartiu seu pão. Um Cego permitiu que outro compartilhasse com ele seu ponto à porta de uma igreja.
E muitos chegavam para orar.
Mas ninguém orou antes de perdoar.
Inimigos de morte dialogaram, compreenderam-se, pediram desculpas, perdoaram, trocaram abraço fraterno e sincero.
E quanto ódio se desfez naquele dia.
Nos presídios houve arrependimentos, reconsideração, compreensão para com a sociedade. A sociedade fez-se presente libertando injustiçados, desfazendo enganos, humanizando presídios, adequando penas, conscientizando, dando oportunidades, reconciliando. Falando de uma justiça mais perfeita que a dos homens.
E quanta revolta morreu naquele dia.
O amor, a resignação, a bondade e a esperança saíram a visitar hospitais, asilos, orfanatos e percorreram também os lares.
A insegurança saiu dos homens e com ela a desconfiança. Ninguém foi avaro ao dar nem egoísta ao receber.
Reconciliados, felizes e cansados os homens foram dormir cedo. Os cultos ficaram para a manhã seguinte. Dormiam o sono dos justos e precisavam repousar.
Um ser celestial passou na madrugada e distribuiu bênçãos.
Feliz Natal!... Sem lágrimas, incompreensões, rancores, fome, temores.
E quanta paz nasceu naquela noite!...
Rilmar(1981)
(Brasil Acadêmico, Ipameri Raizes Culturais, Artigonal)
Pai,Lindão...Como seria bom se fosse assim.
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