Réstia de luz
No horizonte;
Pende na cruz
Defronte;
Emana-lhe luz
Da fronte;
A luz, a cruz, Jesus
No monte!
Veio de longe para vê-lo. E prostrou-se diante da cruz em que Ele jazia dependurado. Quis erguer os olhos para embeber-se do seu semblante cheio de mansidão.
Mansidão que o homem não alcança, o filósofo vislumbra e o santo procura.
Inútil, não pôde!
Tudo ao redor emanava tristeza. Várias vezes tentou levantar o olhar em vão. Faltava-lhe coragem? Forças? Auto-domínio? Ou será talvez que se sentisse pequeno demais diante da magnificência do Cristo? Mas, o cordeiro de Deus na sua mansidão e humildade não poderia acaso ser contemplado de frente por um homem comum?
No ar e nas coisas pairava o tédio.
Pendente na cruz o filho de Deus.
Prostrado em frente um homem que andara muito. Que pernoitara muitas vezes ao relento. Que há muito não via os seus e que viera para vê-lo. A pouco e pouco foi vencendo a emoção e foi subindo vagarosamente o olhar. Viu seus pés descalços, feridos, edemaciados, riscados pelo sangue escorrido já ressecado. Depois olhou o corpo maltratado, as mãos feridas e por fim mirou-lhe a face. A face que deveria refletir a dor do escárnio, da traição, da ingratidão, da injustiça; a face que deveria estar contraída pela dor física; era calma. Irradiava compreensão, piedade até.
Pendia a cabeça de encontro ao peito como se Ele dormisse. Aflorava-lhe no semblante descontraído a impressão de que sonhava talvez com uma humanidade diferente, compreensiva, amorável, sincera, crente e desprendida.
Viera de longe suplicar-lhe cura. Mas, Ele jazia ali morto.
Não alcançando a cura física, sentiu que suas dores eram pequenas demais diante das dele.
Notou-se egoísta até.
Levantou-se.
Sentia-se leve. Descontraído.
Olhou mais uma vez para o Cristo e suplicou-lhe que o ajudasse no aprimoramento do íntimo. Para que a proximidade da morte e enchesse de esperanças. Para que a fé o enchesse de bondade durante a vida.
Virou-se e começou a afastar-se vagaroso. Olhou para a perna que uma úlcera comia e não conseguiu mais ficar triste. Deu alguns passos, desceu a perna da calça cobrindo a ferida e foi embora.
Andava lentamente, arrastando a perna inchada e ulcerada. A ferida era feia, antiga, profunda, cheirava mal e doía muito a cada passo. As pessoas o evitavam. A jornada pelo mundo parecia não ter fim.
Murmurava em prece, pleno de fé: Cordeiro de Deus, ainda que eu não mereça, derrama sobre mim e vossa paz. Alivia meu sofrer...
Num tempo de pouca medicina, de infindáveis caminhadas,sem afeto, vivendo da caridade, era grande súa pena.
Tempos depois, anos talvez passados, percorria um estreito caminho que margeava uma cerca quando, parado à sua frente, viu o Cristo.
Tomé, talvez, não tenha visto um Cristo mais concreto e real.
Sentiu que estava diante de Jesus, não houve espanto, nem suplicou nada. Apenas o olhou e vendo que o Cristo sorria, sorriu também.
Depois se ajoelhou e pôs os olhos no chão. Nessa humílima atitude esteve imóvel por um tempo longo e emocionante..
Em certo momento, sentindo que Ele se fora, levantou-se.
O coração batia tão rápido e tão forte que parecia saltar do peito. Uma alegria esfuziante o arrebatava. Intrigado, desejoso de contar tudo a alguém, pôs-se a correr como um louco em direção ao povoado.
Deslocava-se velozmente, sem dores e sem se dar conta de que já podia correr.
Novembro de 1972.
Rilmar José Gomes
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