Foi numa tarde de verão,
Era um silêncio profundo,
O que aconteceu comigo
Só hoje revelo ao mundo.
“Nunca vi rastro de cobra
Nem couro de lobisome”
Cantor que isso afirmou
Tentava fazer o nome
Se vivesse um pouco mais
Se vivenciasse o mundo
Descobriria bem cedo
Que não pesquisou a fundo
Eu que pouco viajei,
Sem que a memória falhe,
Afirmo que muito vi
Pois reparei no detalhe
Sei andar devagarinho
Olhando com zelo e arte
O conjunto como um todo
Mas atento a cada parte
Olho, escuto, cheiro e toco
Provo se for a questão
Comparo tudo na mente
P’ra formar uma opinião
E no silêncio da tarde
Eu já fora da cidade
Reparei num ancião
Cheio de excentricidade
O homem se abaixava
E fotografava o chão,
Clique que clique e andava
P’ruma nova posição
Ajude-me nossa senhora,
Santa mãe da piedade,
Não peca quem quer saber
Quem tem curiosidade.
E foi rezando baixinho
Que me aproximei do tal,
Querendo puxar conversa,
Mas me saí muito mal
O gringo me ignorou,
Fazendo que não me viu,
Botando a máquina no ombro
Entrou no jipe e sumiu
O que foi que ele viu?
Que coisa tão importante,
Esse homem registrava
De modo tão intrigante?
Comecei olhar o chão
Com atenção redobrada
Para ver se descobria
Resposta para a charada
Em dado momento notei
Sutis, leves,indefinidos
Impressos na areia fina,
Uns sulcos rasos, compridos
Logo adiante sumiam
Numa fatia de relva
Depois surgiam mais nítidos
Indo em direção à selva;
Selva não, uma matinha
Na beira do ribeirão
Mata que eu conhecia
Como a palma de minha mão
E os sinais misteriosos
Não se perderam de fato
Porque sofreram um desvio
E não entraram no mato
Na areia, embora leves
Poderiam ser seguidos
Ainda mais se eu aplicasse
Nisso meu sexto sentido
E fui seguindo os sulquinhos
Até que, subitamente,
Eles desapareceram
Sem um motivo aparente.
Um toco, uma pedra e uma moita
Isso só e nada mais;
De uma dessas três coisas
O mistério estaria atrás
O mistério era uma cobra
Que também me espreitava
Enquanto eu a procurava,
Ela, por certo, pensava:
O que quer esse janota
Andando atrás de mim
Ainda tenho veneno
E posso lhe dar um fim
Estou um pouco pesada
Acho que exagerei
Engolindo aquele sapo
Que na lagoa encontrei.
Eu que sempre muito leve
Não deixo rastro no chão
Com um sapo na barriga
Me arrasto como um vagão.
Deixando o rastro na areia
Fui deveras imprudente
Mas quem segue rastro de cobra
No fim encontra serpente
E de minhas experiências
Uma certeza me sobra
Uma coisa é seguir o rastro,
Outra é enfrentar a cobra
O janota é atrevido
Atrevido e persistente
Mas se chegar nesta moita,
Pronto lhe cravo os dentes
A cobra conjecturava
E eu também refletia
Tenho que ter muito cuidado
Pois já está no fim do dia
E o sol nessas alturas
Já não clareia o bastante
Vou olhar naquela moita
Mas me mantendo distante.
Foi assim que examinei
A pedra e também o toco
A moita eu olhei de longe
Porque não sou nenhum louco.
Mesmo olhando de longe
Eu consegui vislumbrar
A cobra de bote armado
Pronta para me pegar;
Eu olhava para a cobra
Ela olhava para mim;
Ficamos naquele flerte
Por um instante sem fim.
A serpente ardilosa
Tomou uma decisão
Exibiu-me a barriga
Fazendo uma contorção
Ao ver tamanha barriga
Naquela cobra impávida
Eu de pronto concluí
Esta cobra está grávida
Se cobras não engravidam
É problema da ciência
Por mim estou satisfeito
E em paz com a consciência
Fica, pois aí gestante,
Está desfeito o mistério
Seja feliz no seu parto
E também no puerpério.
E dali me afastei
De volta para a cidade
Feliz por minha vitória
Nesta busca da verdade
A tarde era réstia de luz
No horizonte sem nome
Rastro de cobra eu vi,
E couro de Lobisomem?
Rilmar- 1991
(a seguir: Couro de Lobisomem)
Não vejo a hora de ver o "Couro do Lobisomem".
ResponderExcluirPassei por aqui para assuntar e achei que o blog está muito bonito e colorido.Essa foto ficou perfeita para este texto!!
ResponderExcluirEssa criatividade é de família.
De conto à cordel isso e que é ser pluriápto
ResponderExcluirSolange