sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Couro de Lobisomem

(continuação de Rastro de Cobra)



A tarde era réstia de luz
No horizonte sem nome
Rastro de cobra eu vi,
E couro de Lobisomem?

Antes de chegar na ponte
Do Corguinho de água quente
Reparei numa casinha
Lá pros lados do poente

Vi um estranho estandarte
A enfeitar-lhe a frente
Um couro grande, esquisito
Esticado e imponente

Couro negro e cabeludo
De fios grossos revestido,
Não era couro de bode
Nem de bicho conhecido

Pensei em couro de onça
Na resposta da questão
Anta, urso, burro, zebra;
Nenhuma era a solução

Curioso como sou
Naquela casa cheguei
Bati de leve na porta
E a resposta esperei

Sempre analisando o couro,
Pertinho e estando a sós
Fui reparando detalhes-
Até que ouvi uma voz

-Vá entrando, a casa é nossa,
Empurre a porta; bem vindo
Vem dividir a solidão
Que sozinho estou sentindo

-Eu passando por aqui
Nesse restinho de dia
Tendo sede, vim pedir
Um caneco de água fria

-Pois bateu na porta certa
Veio a uma casa amiga
Conversa de copo d’água
É uma desculpa antiga

-Se realmente tem sede
Beba água à vontade
Mas se está curioso
Venha saber a verdade

-Você viu aquele couro
Esticado ali na frente?
É de um animal que matei
Bicho muito diferente

Sete dias e sete noites
Setenta terços rezei,
Pra desencantar o bicho,
Depois disso eu o matei

É uma mistura encantada
De cachorro, lobo e homem
O couro que você viu
É couro de lobisomem

De lobisomem legítimo
Que uiva e mata de medo
Mas não pôde com as rezas
E a firmeza de meu dedo

Na mira da carabina
O monstro sequer grunhiu
Reza, coragem e chumbo
E o bicho sucumbiu

- O amigo me desculpe
Mas não sou bobo nem nada
Que couro de lobisomem
Isso é alguma piada?

Lobisomem é uma lenda
Ou uma raça em extinção
Quem matar um bicho desses
Corre risco de prisão

- Matei esse e mato mais
Sou valente e sem temores
Sou chumbo grosso, sou fera
Sou o rei dos caçadores

- É brincadeira eu sei
Não se mata uma lenda
Mas se matou de verdade
Faça com que eu entenda

-É muito fácil provar
O bicho está todo aí
Examine cada peça
Coloque o pingo no i

Aqui está a cabeça,
Preste atenção nestes dentes,
Nos fundos dentes de lobo,
Humanos são os da frente

Observe a carne escura
Que quanto mais se tempera
Menos cheira a tempero
Mais fede a carne de fera

E essas patas imensas,
De que essas patas são?
Parecem patas de lobo
Parecem patas de cão!

Olhando agora o couro,
Mais preto que marchetado,
Tem um odor bem estranho,
Cheira a cachorro molhado.

Repare nessas orelhas
De talhe reto, incrível
São orelhas de morcego?
Ou de um animal terrível?

Cheirei, ouvi, reparei
Resisti enquanto pude
Mas chega um certo momento
Em que a evidência ilude.

Convencido que o lobisomem
Estava morto e picado
A carne em umas gamelas
E o couro bem esticado.

Tive raiva do tal homem
E parti para a cidade
Em busca do delegado
Pra dizer toda a verdade
Do morticínio da lenda
Da grande atrocidade

Encontrei o delegado
Bebericando na venda
Fui logo dizendo a ele
Seu Roberto me atenda
E venha prender um monstro
Um assassino de lenda

O delegado de fogo
Ficou logo azuretado
Contou as balas do trinta
Enquanto eu olhava calado

Depois levantou do banco
Fazendo cara de mau
Disse: Você vai comigo;
Você também Bate pau

E para documentar
Em meio àquele alvoroço
Pegando a sua Nikon
Pendurou no meu pescoço.

Em direção ao casebre
Seguimos rapidamente
Todos em cima de um jipe
Velho, cambembe e rangente;
Logo chegamos na choça
Pois o Jipe era valente

Queria que vocês vissem
A cara do tal caçador,
Vendo aquela comitiva
Perdeu todo o seu valor,
Ficou branco como vela
Quase teve um estupor.

O delegado chegando
Viu logo o couro esticado
Cheirou e foi confirmando
- Cheira a cachorro molhado;

Entrando viu as gamelas
Com a carne fedorenta
Examinou com os olhos
Com a língua e com as ventas;

Examinou a cabeça
Com a estranha dentaria,
Quanto mais atenção dava
Mais o caçador tremia.

O caçador gaguejando
Explicar bem que tentou
Esse couro é de búfalo
Um fazendeiro mandou
De longe para que eu curtisse
E muito recomendou

-A carne que tanto fede
Não é uma carne rara
Tem cheiro forte por ser
Carne de uma capivara

-E a cabeça tão grande
Guardei-a para exibi-la,
Curtida e trabalhada,
É de um cachorro fila

-Teve as orelhas aparadas
Por uma moda mal-sã,
São orelhas amorcegadas
Como as do Bat-man

-O delegado sossegue
Que o malfeito é aparente
Eu não matei lobo-homem
Juro que sou inocente.

Eu fui ficando sem-graça
Vendo o homem se explicar
Mas o delegado estava
Longe de acreditar.

O caçador se esmerava,
Suando frio o coitado,
O delegado ouvia
Sempre mais desconfiado

Por fim veio a decisão
- Fica lavrado o flagrante
- Bate Pau cumpra a lei
Bote em cana o meliante

Tire amostras de tudo
E em caixas de isopor
Acondicione no gelo
Para estudo posterior

Leve o couro conosco
Para a delegacia
Quero o parecer do povo
Que nesse a gente confia
A questão é muito séria
Pois envolve ecologia

Em tudo o delegado
Foi prontamente acatado
O couro ficou exposto
E o meliante trancado
As caixas foram enviadas
Para um centro adiantado

Estudando as tais peças
Muito tempo se consome;
Aguarda preso na cela
Aquele valente homem;
E quem examina o couro
Jura que é de lobisomem

Testemunha da verdade
Não aumentei um só ponto
Do que não vi nem provei
Nunca relato nem conto

FIM
Rilmar José Gomes
27/12/1991

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