Uma Rosa ao
pé do Muro
Isso foi há muito
tempo.
Era de
manhã. Eu passava por um quintal cercado de muros
. Bem ao pé
de um dos muros vicejava uma pequena roseira.
Mais definhava
que vicejava. Mas tinha algumas folhas verdes e emitia brotos ansiosos pela
vida.
Bem no meio
daqueles ramos, erguendo-se mais que eles como que para se mostrar; uma rosa
vermelha com tons escuros permeando o colorido. Uma Príncipe Negro, talvez.
Gotas de
orvalho aqui e ali, nas pétalas aveludadas que além de nos cativar pela singela
beleza ainda emanavam um perfume tão sutil e agradável que nos levava e nos
curvar e aproximar a face da flor para melhor sentir o aroma.
Era eu ainda
criança. Sabia pouco da vida. Sentia mais que sabia.
Ao aproximar
meus olhos daquela flor, percebi espinhos no galho que a sustentava. Vi também
formigas indo e vindo rápidas numa faina insana de ordenhar uns poucos pulgões
que habitavam o cálice onde a flor se aninhava.
Meu amor
pela flor foi imediato.
Não, guardá-la
para mim; não, de arrancá-la de seu galho onde vicejava e encantava as gentes.
Mas de protegê-la, de cortejá-la longamente, de revê-la muitas vezes, de saber
que ela ali estaria radiante e bela para que todos a vissem e revissem. Para
que seguisse perfumando o ar e encantando os olhos.
O velho muro
atrás da roseira, roseira de uma única rosa, era branco amarelado e manchado de
espaço em espaço, de grandes máculas irregulares e escuras semelhantes a nuvens.
Na sua inserção na terra havia também aqui e acolá, nichos de musgos de um
verde sombrio.
A
criança, a rosa, o espinho, as formigas indo e vindo, os pulgões e os musgos.
Se
alguém se detivesse para uma fotografia, ou capturasse aquela cena para um
quadro, por certo guardaria uma imagem capaz de encantar plateias.
Ninguém
se deteve.
Só a criança.
Eu.
Depois de algum tempo acomodei-me sentado em
uma pedra que encontrei por perto e me detive alheio ao mundo e namorando a
flor.
Quis
eliminar alguns espinhos que achei não combinarem muito com ela, também quis esmagar as formigas que
parasitavam os parasitas da flor. Algum clamor da natureza me aconselhou a me
deter pois também eu ali estava usufruindo o perfume, a beleza e a interação
entre a terra, o sol, a magia de Deus e os seres que em seu conjunto compunham a vida.
Deixei-me
ficar ali por algum tempo distraído.
Quando
já me levantava para ir embora, ainda veio um casal de borboletas voejando, se
tocando e, vez por outra beijando a rosa. Duas borboletas amarelo ouro,
refletindo luz, rebrilhando no bater das asas sob a luz do sol.
Pensativo,
encantado me afastei em direção à minha casa. Saíra para comprar alguma coisa e
já não me lembrava mais o que era.
Naquele
mesmo dia, já à tardinha, ainda voltei com uma latinha de água e reguei a
planta, e revi a rosa que estava mais bonita ainda e, parece que me aguardava.
Detive-me
por uns momentos embevecido diante dela. Cheguei a dizer alguma coisa, mas ela
se manteve muda, apenas exalando perfume e exibindo sua beleza. Se houve alguma
resposta foi quando um derradeiro raio de sol pousando sobre suas pétalas a
iluminou e, como num palco mágico, exuberou
ainda mais seu encanto e beleza e impregnou-me ainda mais de sentimentos
ao pensar que ela se exibia para mim.
Como
a penumbra do fim de dia já envolvesse tudo, tive que deixá-la e voltar ao lar.
À
noite adveio uma tempestade de chuva grossa, relâmpagos imensos e ruidoso vento.
Felizmente
eu dormia aconchegado à minha mãe e protegido.
Na
manhã seguinte, preocupado, voltei lá. A pedra, o muro, a roseira lá estavam,
porém, a minha rosa tinha ido embora. O mais certo é que tenha sido a
tempestade, porém pode ser que algum enamorado a tenha colhido e presenteado
uma musa e que então a flor estaria perfumando uma casa e enfeitando uma mesa,
repousando em um algum vaso e deixando cair uma a uma, suas pétalas coloridas.
Talvez
cumprisse apenas seu destino de rosa. Não serem eternas. Pouco mais que
efêmeras é o que são.
Só
restava ali, um caule vazio e a roseira tristonha com alguns brotos ainda mais
viçosos e em busca de vida e com esta, com certeza nova rosa, mas nunca mais
aquela que chamei de minha.
Rilmar - 19/5/2019
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