Fonte Divina
Passava eu
nesse dia por uma via tortuosa, estreita, carcomida pelo tempo, o sol e,
talvez, as chuvas. Mais que um trieiro, pouco mais que um caminho, mas longe,
muito longe de ser uma estrada por onde algum veículo pudesse passar; talvez
uma carroça puxada por um cavalo acostumado com as irregularidades conseguisse
por ela trafegar vagarosamente, escolhendo caminhos e ainda assim, com
dificuldades e solavancos.
A tarde ia
pelo meio. O sol escaldava impiedoso, mas desenhava sombras ocasionais dos
arbustos que aqui e ali ladeavam a estradinha, ou ficavam uns tantos metros
distantes de suas bordas.
A sede e o calor me acossavam. O cansaço não
era tanto. Tinha alguma pressa, mas sabia que caminharia ainda a tarde toda e
só quase ao cair da noite chegaria ao meu destino. Meu abrigo, meu lar humilde
e aconchegante.
No silencio
daquela solidão fui percebendo lentamente um longínquo e agradável som. Um
choro, um chororó, um barulhinho de água caindo, mas tão sutil, tão leve, tão
belo e oportuno que temi ser uma ilusão.
Parei e me
sentei à sobra rala de uma lobeira que projetava sua silhueta sobre a via por
onde eu caminhava.
Com um
galhinho de uma pitangueira que crescia ali por perto, varri o chão ao meu
redor tentando afastar algumas formigas e outros insetos rasteiros que também
disputavam a tênue e preciosa sombra.
Após um
breve descanso, apurando bem os ouvidos fazendo uma concha com a mão delineei o
rumo e o provável local de onde vinha aquela música da natureza que soava como
um sutil lamento, como um canto convidando à vida.
Seria uma
nascente? Uma pequena mina até então desconhecida para mim? Talvez fosse apenas
uma ilusão que acabaria por prolongar meu tempo de jornada.
Andei por
entre arbustos e ervas rasteiras, sem caminhos, em direção àquela música, ao
som que não só me animava, como também me encantava pelo seu próprio timbre e
sonoridade.
Com algum
tempo de caminhada cheguei a um conjunto de grandes e sólidas pedras, uns
restos de montanhas talvez.
O som era
mais nítido ali. Busquei, busquei e cheguei a uma enorme pedra ferro, pedra que
se batermos um objeto metálico contra ela produzimos faísca de fogo sem que a
pedra dê qualquer sinal de corrosão.
Ali, bem ao
pé da pedra, como se fosse um milagre; mais como um esguicho que um jorro,
brotava a mais límpida água da natureza: água de rocha. Escorria uma fina camada
líquida que se juntava em um pocinho minúsculo de fundo arenoso e, logo acima
dela, projetava-se como obra de Deus um perene filete de água, tão
límpido e brilhante que encantava os nossos olhos antes de o percebermos como sendo
capaz de aplacar-nos a sede.
Projetava-se,
percorria o espaço de um a um e meio palmo, ia um pouco para cima, em seguida
se curvava, perdia um pouco a forma de fio e caia sobre o pocinho formado pela
lâmina d’água que deslizava pela pedra e se empoçava á espera dele.
Dessa queda,
desse choque puntiforme contra a poça d’água, nascia o som que era música, lamento e choro
a um só tempo, a pedra mãe e mais duas ou três pedras em redor, se posicionavam
de forma tal que ampliavam o som de modo a ser ouvido de muito longe.
Um canto
irresistível.
Ao redor,
como um pequeno oásis, a vegetação exuberava exalando vida em seu verde, em
flores de modestos lírios, mas de porte rasteiro, talvez para não atrair muito
as atenções.
Detive-me
por breve instante a admirar. Depois curvei-me e colhendo aquele jorro que
contrastava com a rudeza de minhas mãos em concha, sorvi daquela água fresca,
límpida e pura.
Saciada a sede, refrescada a alma, ainda me detive encantado
com aquele milagre de limpidez e de sonoridade. Cerrava os olhos para ouvir
melhor em seguida procurava olhar de vários ângulos para fixar na mente a
beleza tanta daquele minúsculo e perene milagre capaz de enlevar as almas.
Almas de todos os matizes.
Afastei-me,
a princípio lentamente, mas logo retomei a marcha, passei pela lobeira cuja
sombra agora já se esgueirava mais longamente em direção ao meu caminho.
Não
conseguiria chegar antes do pôr do sol, mas tinha o que contar e detalhar
quando chegasse em casa.
Aí, bateu
uma saudade forte e então apressei o passo me afastando dali.
12/06/2020 - rilmar
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