Noites são escuridões sem fim, impregnadas de entes de todas
aparências e densidades.
A noite com seus
seres nos cerca e envolve.
Está em todos os lugares com suspenses e medos.
Uma fonte de luz a afasta um pouco, mas sempre que olhamos
lá fora a vemos a nos cercar.
São piores as madrugadas com seu silêncio e solidão. - - - - -
Infinitamente mais
tenso, pleno de suspense e sujeito a qualquer momento à surpresa do
imprevisível; um imprevisível estatisticamente possível, mas incerto na
imensidão do tempo. Aí estamos falando da noite num plantão de hospital.
Então falamos de dentro das almas desses seres humanos,
acordados dentro da noite, vigilantes, atentos, executando as mais variadas
funções, porém com corações batendo sossegados sem a sofreguidão dos estresses
extremos.
Entanto, o telefone, ora mudo, espreita atento. Também há leitos de pacientes
instáveis com seus órgãos no limiar das capacidades, da inteireza. Há também os
mantidos melindrosamente no limite da vida por grande número de medicamentos
com seus efeitos positivos e sua soma espantosa de efeitos colaterais.
E monitores. E tubos.
Acessos. Oxigênio, e cuidados.
Os monitores vigiam sinais. Nós vigiamos os monitores. A
madrugada nos espreita.
De repente alguém emite um tom de voz que alarma todo mundo.
Ecoa um alerta. Chama o médico, a enfermagem, soa barulho de carrinho se
deslocando, de vozes apressadas, de ordens a princípio um pouco descoordenadas,
mas que rapidamente se organizam e vão se transformando em ações. Ações que
geram ações. O sucesso ou o insucesso gera a ação seguinte. Há um plano. Existe
um ritual. Mas, o imponderável ronda.
A lista imensa do que já foi feito limita o rol do que se
tem para fazer. Uma vida se esvai. Não nos conformamos. A mente busca soluções,
repassa desesperadamente conceitos, práticas, conhecimentos. são tantas as
ações demandadas que, num certo momento nos sentimos poucos. O mesmo telefone
que era ameaça agora serve para buscar ajuda. Buscar ajuda faz parte dos
protocolos. Especialização ou mais experiência, ou possibilidade de
revezamentos para que não cheguemos à exaustão. Ação... drogas... conseguimos
entubar? Graças a Deus, está no respirador.
Há uma efervescência intensa e longa permeada de sinais que ora nos anima e
exulta, ora nos desespera e desanima. Luta, luta desesperada e de entrega
total. Nada pode nos fazer parar. Só o êxito final nos permite sentar e
respirar enxugando o suor e recompondo a palidez da face e o tremor das mãos
exaustas das compressões de tórax, do manuseio do ambu, das manobras feitas no
resgate da respiração. Também o cérebro que fervilhou a mil por hora tentando
entender e agir e mudar rapidamente ações e raciocínios, tomando decisões;
também este se permite instantes de lassidão e breve repouso. Não havendo
êxito, há a derrota, o inconformismo, a sensação amarga de que tudo o que
sabemos é tão pouco que ou Deus nos empurra e nos faz fazer ou nossa luta é
inglória muitas e muitas vezes.
Depois, relatar tudo o que foi feito, o tempo, a hora, as
sequências, os porquês.
Constatar o óbito...
Preencher o atestado de óbito com uma infinidade de informações e com o peso de
que aquele é um documento preenchido e guardado sob os rigores da lei. Tudo
feito, tomado pela exaustão e dominado pelo esgotamento mental e emocional.
Finalmente comunicar aos familiares desesperados e até com expressões de
revolta nas faces. Ainda que a morte seja o desfecho de uma arrastada doença
crônica.
Por fim à noite definha com as primeiras claridades no céu.
Ainda resta um trajeto a ser percorrido até a cama em nossas casas, um
isolamento e silêncio no quarto onde até os pensamentos são silenciados para
que não se fique remoendo coisas que necessitam ficar lá no hospital.
Muitas vezes não
conseguimos isso.
Noites são escuridão eivada de seres e mistérios. Mas muitas
são acolhedoras, suaves, amorosas e propícias ao aconchego e aos zzzzzzz💤.
---------------------- rilmar - 2019
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