sábado, 4 de dezembro de 2021

Caminhos da Vida

 

                       Caminhos da Vida

                                                         

Evito de narrar certas histórias pelo medo de cair no descrédito dos raros leitores.

Porém não cabe a mim controlar os acontecimentos e, assim, o jeito é contar.                                                        Havia lá onde vivi a maior parte de minha vida; umas moças sabidas que namoravam homens de mais idade, velhuscos, pensando em se arrumarem, abiscoitarem alguma herança ou coisa assim.                                                                 

 Lá morava um certo fazendeiro, velho, quase noventenário, espoleta, pagodeiro, desses que não se enxergam e pensam que ainda são moços para terem certas pretensões e comportamentos.                                      

Não hão de ver que uma moça bem bonita, cheia de juventude e atrevimentos se inclinou para o lado dele, se insinuando com olhares, sorrisos, atenções, trejeitos e encorajamentos até que ele também se engraçou.                                                           

Acabaram tendo um caso.                                      

Meio secreto, um tanto às escondidas.

Porém rumoroso graças à ferocidade da língua do povo.                                                           Viveram um tempo não tão longo, mas de certa forma feliz.                                 

Ele, quase sem acreditar que no, tarde da vida, muito tarde; ainda arranjaria uma preciosidade daquela; charmosa e perfumada, alegre, bonita, tão cativante, capaz de despertar nele emoções há tanto tempo adormecidas e algumas que ele supunha até extintas.                                                      Ela, convivendo com um aquinhoado fazendeiro, cuidava de fazê-lo feliz e preenchia sua vida com carinhos, atenções e esmerado desvelo.              

Não só dava seu melhor empenho para o agradar como tratava de o fazer crer que a fazia feliz e excitada com suas atenções e carinhos.                                      

 A vida fluía e ela desempenhava, embora com sacrifícios, seu papel.

Abraçava- lhe o corpo senil, sentia seu cheiro vetusto, beijava a boca velhusca quando o beijo fosse inevitável.               

A pouca luz do quarto ajudava a aparentar contentamento e excitação. Pensando no futuro conseguia alguma felicidade.                                                               

Seguia a vida.                                             

Ela suportando, orando e esperando. 

Ele se deleitando mergulhado naquela atmosfera de benesses, rejuvenescido e contente.                                                              Por fim, certo dia a morte se compadeceu da pobre heroína, veio e o levou consigo para a eternidade.     

Partiu com um ar feliz e pimpão!...              

Choraram a perda por uns dias.           

Mais algum tempo de ar sombrio.                             

Começou então a surgirem herdeiros.            

 Apareceram dez filhos legítimos, uns tantos ilegítimos, mas comprovadamente filhos, três ex-esposas, duas concubinas, duas enteadas que acabaram se comprovando serem filhas disfarçadas de enteadas. Dívidas bancárias, negócios não terminados e mais alguns penduricalhos pendentes.                                          

O raio do velhinho que piscava miúdo e tinha olhos limpos como os de uma raposa, possuía uns 1500 bois na engorda, uns cem alqueires de terras cobertas de capim, um casarão muito antigo e sem grande valor.               

 Muito menos do que se pensava.          

Nada mais.                                                                    

Foi preciso contratar advogado dos bons e caro, esperar uma infinidade de tempo, se contentar com uma glebazinha de terra de nada e um punhado de boizecos.                                                 Tudo isso, dividido pelas mil e uma noites do tórrido romance vivido por ele, foi um baita negócio; para ela, no entanto, pelas mil e uma noites de sacrifícios e de vida doada na vã esperança de se tornar uma grande fazendeira, foi uma decepção sem tamanho e até hoje se pergunta quem foi que ludibriou quem.                              

Dizem que tempos depois ainda bonita e nem tão fazendeira, se casou e com o novo marido, moço probo, saudável e trabalhador; se dedicou com afinco ao labor, encheu de calos as mãos e de dores as costas.                              

Acabaram por juntar algum dinheiro e conseguiram comprar várias glebas, então inúteis, dos outros herdeiros, utilíssimas se reunidas; chegou à condição de micro proprietária tendo enfim, sua ilusão concretizada já no ocaso da vida...                         

 

 rilmar.                22/11/2021

 

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