Caminhos da Vida
Evito de narrar certas histórias pelo medo de cair no descrédito
dos raros leitores.
Porém não cabe a mim controlar os acontecimentos e, assim, o
jeito é contar.
Havia lá
onde vivi a maior parte de minha vida; umas moças sabidas que namoravam homens
de mais idade, velhuscos, pensando em se arrumarem, abiscoitarem alguma herança
ou coisa assim.
Lá morava um certo
fazendeiro, velho, quase noventenário, espoleta, pagodeiro, desses que não se
enxergam e pensam que ainda são moços para terem certas pretensões e
comportamentos.
Não hão de ver que uma moça bem bonita, cheia de juventude e
atrevimentos se inclinou para o lado dele, se insinuando com olhares, sorrisos,
atenções, trejeitos e encorajamentos até que ele também se engraçou.
Acabaram tendo um caso.
Meio secreto, um tanto às escondidas.
Porém rumoroso graças à ferocidade da língua do povo. Viveram um tempo não
tão longo, mas de certa forma feliz.
Ele, quase sem acreditar que no, tarde da vida, muito tarde;
ainda arranjaria uma preciosidade daquela; charmosa e perfumada, alegre, bonita,
tão cativante, capaz de despertar nele emoções há tanto tempo adormecidas e
algumas que ele supunha até extintas.
Ela, convivendo com um aquinhoado
fazendeiro, cuidava de fazê-lo feliz e preenchia sua vida com carinhos,
atenções e esmerado desvelo.
Não só dava seu melhor empenho para o agradar como tratava
de o fazer crer que a fazia feliz e excitada com suas atenções e carinhos.
A vida fluía e ela
desempenhava, embora com sacrifícios, seu papel.
Abraçava- lhe o corpo senil, sentia seu cheiro vetusto,
beijava a boca velhusca quando o beijo fosse inevitável.
A pouca luz do quarto ajudava a aparentar contentamento e
excitação. Pensando no futuro conseguia alguma felicidade.
Seguia a vida.
Ela suportando, orando e esperando.
Ele se deleitando mergulhado naquela atmosfera de benesses,
rejuvenescido e contente.
Por fim, certo dia a morte se
compadeceu da pobre heroína, veio e o levou consigo para a eternidade.
Partiu com um ar feliz e pimpão!...
Choraram a perda por uns dias.
Mais algum tempo de ar sombrio.
Começou então a surgirem herdeiros.
Apareceram dez filhos
legítimos, uns tantos ilegítimos, mas comprovadamente filhos, três ex-esposas,
duas concubinas, duas enteadas que acabaram se comprovando serem filhas
disfarçadas de enteadas. Dívidas bancárias, negócios não terminados e mais
alguns penduricalhos pendentes.
O raio do velhinho que piscava miúdo e tinha olhos limpos
como os de uma raposa, possuía uns 1500 bois na engorda, uns cem alqueires de
terras cobertas de capim, um casarão muito antigo e sem grande valor.
Muito menos do que se
pensava.
Nada mais.
Foi preciso contratar advogado dos bons e caro, esperar uma
infinidade de tempo, se contentar com uma glebazinha de terra de nada e um
punhado de boizecos. Tudo isso, dividido pelas mil e uma noites do
tórrido romance vivido por ele, foi um baita negócio; para ela, no entanto, pelas
mil e uma noites de sacrifícios e de vida doada na vã esperança de se tornar
uma grande fazendeira, foi uma decepção sem tamanho e até hoje se pergunta quem
foi que ludibriou quem.
Dizem que tempos depois ainda bonita e nem tão fazendeira, se
casou e com o novo marido, moço probo, saudável e trabalhador; se dedicou com
afinco ao labor, encheu de calos as mãos e de dores as costas.
Acabaram por juntar algum dinheiro e conseguiram comprar várias
glebas, então inúteis, dos outros herdeiros, utilíssimas se reunidas; chegou à
condição de micro proprietária tendo enfim, sua ilusão concretizada já no
ocaso da vida...
rilmar. 22/11/2021
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