Rememorando antigos e lindos contos – Dêem uma passada de
olhos
Espelho ,espelho meu, haverá alguém no mundo mais bonita do
que eu?
Era uma rainha muito bonita, sensual, perfumada, alinhando
os cabelos, conferindo os dentes recém escovados, e fazendo beicinho enquanto
dava uns retoques no batom.
O espelho olhou... olhou, refletiu incontáveis raios de luz
de diferentes comprimentos de onda vindos da apetitosa rainha, depois meditou e
refletiu longamente (agora reflexão mental).
Hum!.... Pensou o polidíssimo e ovalado segmento de cristal.
Era um espelho do mais fino cristal, ovalado, perfeito em sua superfície e
adornado em suas bordas por uma moldura de couro esmeradamente tratado e fina e
artisticamente trabalhado com flores a arabescos de cuja criação e execução
participaram artífices do mais alto nível, artistas os mais refinados e
inspirados.
O espelho olhava, sem ser percebido no conteúdo de seu
olhar. Olhava a bela rainha, a mulher maravilhosa postada à sua frente, como se
cumprisse a sua modesta e repetitiva
função de espelhar, de refletir fielmente a imagem dela mas, longe disso, o
pobre espelho a devorava com os olhos.
Tão afeito estava a ela, a bela madona que todos os dias,
várias vezes por dia; nos mais variados momentos; nas mais diversas condições
vinha se postar diante dele sem desconfiar que cada imagem dela projetada no
interior dele; ali ficava para sempre retida num mecanismo de memória sensorial
ou imunológica leucocitária que ainda hoje não compreendemos bem.
Espelho, espelho meu... haverá alguém no mundo mais bonita
do que eu?... Insistia a rainha.
Às vezes a pergunta
era feita por uma rainha toda produzida, com echarpe verde-musgo no pescoço, um
vestido encantador e um casaco que destacava a beleza dela e do conjunto. E o
espelho prontamente dizia: Não!.... Não há nem nunca haverá.
Como a sala de toalete ficava no quarto quase como uma
extensão do banheiro; havia as vezes em que ela vinha apenas com uma felpuda e
bela toalha envolvendo parcialmente o corpo escultural e de pele maravilhosa. O
espelho quase perdia a voz ao ter que responder à pergunta de sempre. Porém
respondia sem ter nunca que mentir: Não há e nunca haverá!...
Enquanto isso... Não muito distante dali... Na floresta
negra... Morando escondida entre respeitosos e simpáticos anões, vivia Branca
de Neve que ia pouco a pouco deixando de ser criança e já era agora uma
adolescente vivaz, lépida, formosa, louçã, com o mais encantador sorriso sempre
presente nos lábios, os dentes tão brancos que chegavam a ser luminosos, a face
de um rubor tão belo e juvenil que poderia se rivalizar com as mais belas
romãs, com os lábios castos e atrevidos; róseos úmidos e inocentes.
Nenhuma beleza é tão bela quanto a beleza que se desperta,
quanto uma beleza que todo dia é mais bela. Quanto um conjunto maravilhoso que
se aprimora a cada instante, continua se aprimorando incessantemente mesmo no
momento em que está sendo analisado, comparado ou julgado.
Espelho, espelho meu, haverá alguém no mundo mais bonita do
que eu?...
O pobre espelho nunca tinha visto Branca de Neve mas
pressentia, sabia por uma propriedade do mundo das imagens, que Branca de Neve
estava vindo com tudo: encantadora, juvenil, meiga, inocente, correndo pela
floresta, comendo frutos silvestres e sem agrotóxico, bebendo a mais pura água
das nascentes, se banhando ao sol, dormindo do pôr ao nascer do astro rei,
respirando o mais puro ar, vivendo entre amigos e em contato com o frescor e os sons da
natureza.
Branca de neve tinha todos os atributos do DNA da família, e
portanto sangue azul, pele alva, traços sutis e bem delineados, gestos
delicados e encantadores, lábios rosados
e mais, e mais... Branca de Neve tinha tudo o mais que a natureza acrescenta
aos seres que mantem com ela um contato saudável e longo.
O pobre espelho não sabia mentir. Balbuciou gaguejando numa
última tentativa de não desagradar sua dona, sua musa.
Si.... si... sim...! No bosque, isto é na Floresta Negra há
uma petiz que desabrocha e está prestes... ou melhor que já ocuparia hoje o
pódium da beleza aqui de nossa região.
Talvez por uns meros e insignificantes pontos. Não no meu coração!...
Mas para o mundo sim!....
A rainha enfurecida, nem ouviu a frase: não no meu coração.
Arremessou o pobre do espelho contra a parede que era de pedra polida e o
espelho se fragmentou em incontáveis cacos que repetiam sem parar: sim, sim,
sim... exasperando ainda mais a rainha.
Enfurecida e enlouquecida a rainha partiu para a floresta em
busca de Branca de Neve para eliminá-la e, possivelmente apagar todos os
vestígios do crime. Nem eliminou a branquela, nem os vestígios pois o caso se tornou público e
até hoje todo mundo sabe da história. Menos este autor que não lembra muito bem
o final... Sei apenas que teve sete anos de azar. Deculpem!. (kz...kz...kz...) (Brincando.... vai ter segunda parte).
21 de julho de 2015
- Rilmar
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