Lindas Histórias Recontadas
BRANCA DE NEVE - II
Em verdade,
em verdade vos digo: A rainha
enfurecida tentou estilhaçar o espelho que , sendo mágico, satisfez-lhe
o primeiro ímpeto no intento de
acalmá-la; de conduzi-la a se recompor, a recuperar a razão.
A miríade de
fragmentos não aconteceu realmente, não mais foi que uma ilusão para chocar a
rainha e refazê-la em seu psicológico.
Recobrada a
dita razão, logo veio um profundo arrependimento pela perda do amigo, do fã
ardoroso, do incentivador perene. O pranto quase veio aos olhos da bela rainha.
Quis de volta o conselheiro, o mais famoso espelho de todos os tempos em todo o
mundo. O espelho então, mágico que era, voltou a brilhar no seu lugar de sempre
refletindo as imagens, ora recatadas, ora adornadas apenas pela toalha que
deslizando pelo corpo deixava à mostra, por partes, uma nudez que nunca era
total, mas que com memória e imaginação acabava, como num quebra cabeças, compondo-se
e revelando o todo. Paciente e atento, ia cada vez mais colhendo imagens e se
escravizando naquele amor algo platônico e, a um só tempo, real.
Enfim, ali
estava o espelho. Aqui estava a rainha e, num bosque não muito longe dali
estava Branca de Neve, leve e solta, inculta e bela como a última flor do lácio.
Espelho, espelho meu, onde é mesmo que mora essa
ninfeta tão maravilhosa?
Na Floresta
Negra minha rainha. Habita a morada de uns anõezinhos mineradores que lhe deram
guarida naquela vez em um caçador deveria tê-la eliminado mas não, condoeu-se
da frágil criança e a deixou ir-se floresta a dentro, tendo quase a certeza de
que ela não sobreviveria aos rigores e perigos da floresta.
- E o
coração que comi pensando ser o dela, será possível tão torpe farsa?
- Era de um
cervo (termo politicamente correto)
Maldito
caçador, pensou a rainha que mesmo irada e decepcionada, não deixava de ser
linda. Primeiro vou cuidar da branca como a neve, rubra como uma pequena gota
de sangue provocada por uma espetada de agulha e de cabelos negros como o ébano
ou a asa da graúna.
Ainda que
ele habitasse além muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, num
lugar tão distante que até o pensamento levasse algum tempo para atingir; ainda
assim eu a alcançaria. Morando logo ali, na floresta Negra; não tardarei em
tê-la ao alcance das mão e de minha capacidade de envolve-la.
Se bem
pensou, melhor tratou de fazer.
Disfarçada
de bondosa velhinha que andava pela floresta espalhando bondades populísticas,
nossa encantadora rainha acabou por chegar na
casinha dos 7 anões, ou seja de Branca de Neve. Como quase ninguém
usasse andar por aquelas plagas, tão logo se aproximou, Branca de Neve apareceu na janela, ainda um
pouco despenteada já que mal acabara de levantar-se, e assim não estava com a
beleza em todo o seu fulgor.
Hum...
Pensou a rainha. Essa aí é que é a tal de mais bela que eu?
Uma pequena dúvida perpassou seu cérebro.
Bem, mas eu
vim aqui para fazer julgamentos ou para eliminar o inimigo?... Perguntou-se num
balbucio.
Cumprimentou
gentilmente, fez um gracejo, um elogio; foi ganhando a confiança da boboca da
Branca de Neve, até que lhe ofereceu um
belíssimo pente, digno daqueles cabelos negros, brilhantes e sedosos.
Despediu-se e foi embora.
Mal cerrou a janela e já Branca de Neve, em
sua vaidade pueril, intentou pentear-se. O pente era envenenado, talvez fosse
curare o poderoso veneno usado em zarabatanas de caçadores de macacos; o fato,
é que tão logo tentou pentear-se e já caiu inerte sobre alguma coisa macia que
evitou uma concussão ou alguma fratura. Tudo indica que a capacidade de respirar
ficou preservada pois, ao fim da tarde, quando os anões ali chegaram a
encontraram caída e, logo que tiraram o tal pente de seus cabelos, ela já
começou a melhorar e algum tempo depois já restabelecida, contou tudo a eles
que então recomendaram ter todo cuidado com estranhos, não convidar para entrar e nem aceitar
presentes.
Contam que a
rainha fez várias e ardilosas tentativas mais, com o mesmo intento: eliminar a
concorrência.
Numa última
e desesperada tentativa, talvez inspirada na história do paraíso, valeu-se de
uma maçã envenenada e de uma lábia sibilina e sub-reptícia.
Envolveu
completamente Branca de Neve com belos adjetivos, com verbos e advérbios bem
colocados, com interjeições convincentes, com um substantivo atraente e fatal:
uma maçã vermelho-dourada, irresistível e cuidadosamente envenenada.
Para ganhar
completamente a confiança da púbere criatura, partiu a suculenta maçã ao meio e
começou a comer uma metade, oferecendo a outra metade à inocente Branca que,
com as glândulas salivares inundando-lhe a boca, não ofereceu qualquer
resistência. Tomou a sua metade, até com certa voracidade e mordeu um grande
naco.
Caiu, dessa vez, como morta.
A rainha zarpou-se e foi novamente conversar
com o espelho que a encheu de certezas e elogios.
Chegando em
casa, após extenuante dia de trabalho, os anões desesperaram-se e tentaram de
tudo para trazer de volta à vida a mais linda criatura que já tinham visto.
Depois de
vários e inúteis esforços, ventilando com um abanador, usando os mais poderosos e modernos
aromatizantes, aspergindo-lhe o rosto com agua fria, chamando-a pelo nome,
mandando que piscasse etc etc. Deram-se por vencidos. No entanto perceberam que
sua beleza se mantinha, havia uma perfusão adivinhada, uma insuspeitada
oxigenação ainda que mínima.
Não tiveram
coragem de enterrá-la com tão bela aparência, com tanta beleza preservada.
- Vamos
conservá-la numa redoma de cristal no alto daquela colina, cercada de um jardim
de lírios e rosas.
E assim fizeram.
O pior não
aconteceu, porque logo apareceu um príncipe o qual, vendo tão bela criatura naquela redoma, pediu
que lhe a dessem para que a tivesse conservada em seu palácio com todo cuidado.
Os anões
anuíram. Não sem antes promoverem um rápido conciliábulo entre eles mesmos.
No trajeto
para o palácio, no caminho tinha uma pedra, uma providencial pedra no caminho
provocou tão rude bacada que o corpo foi sacudido e um pedaço de maçã que se
alojara na garganta de B. Neve, foi
expelido e com as vias aéreas totalmente livres e também livre da ação do
veneno, Branca de Neve recobrou a vida.
Totalmente
apaixonado e, tendo lhe salvo a vida; o
príncipe propôs casamento a Branca de Neve que aceitou emocionada.
O casamento
deu-se tempos depois, com uma festa tão linda e grandiosa que ficou na história
para sempre. Compareceu à festa, após a cerimônia religiosa, luterana ou
católica, não está claro; gentes de toda a redondeza: os anões, o caçador que não
matou, serviçais, o velho rei pai de Branca e a Rainha que assistiu
comportadamente o matrimônio, despediu-se cumprimentando os noivos polidamente
e se retirou denotando visível depressão e, por isso corre o boato de tenha se
lançado em um precipício em busca da morte.
Esse autor, de coração compreensivo, valorizador de mulheres pós trinta,
pós quarenta... pós 50, pós n...; acha que a família acabou por se
entender, houve um perdão abrangente e
geral dos personagens (acordão) e todos viveram felizes para sempre.
15\03\2017 - Rilmar
Nenhum comentário:
Postar um comentário