segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Casa da Colina - UnB

           

UnB – Barracos da Colina



É incrível, como de um momento para outro, podemos tornar consciente, quase que ver, acontecimentos, conversas, ambientes e até, a nós mesmos em meio às cenas. 
Por certo, não nos víamos enquanto vivíamos os acontecimentos.

Mistério vem sendo, mistério é e, por hora, mistério continua.

Colina que não chegava a ser colina, mas era o ponto mais alto do terreno da UnB. Falo do grupo de barracos que ficava acima dos predinhos da Colina. Colina minha, do Robertão Cordeiro, do Castelo e de alguns funcionários da UnB.

Sobretudo: Minha Colina.

Abriguei-me na exígua vegetação de seu cerrado e fui paulatinamente integrando-me a sua paisagem até que, um dia, que não sei determinar bem qual, descobri-me pleno de amor por você.

Mais a vivia, mais a amava. Mais a sentia, mais me impregnava das suas brisas, dos seus aromas e das múltiplas visões que se me apresentava, variando conforme os sois, as luas, as estações do ano ou o que ia por dentro de mim.

Saí tantas vezes de minha casa, quase uma choupana, e pus-me a andar pelos trieiros que a cortavam.

E, eram tantos.

Não, eu não andava à toa! Sentia-a nos meus pés e retribuía contato. Eu a acariciava. E você sentia?

Lá em baixo, o Lago imenso e piscoso, ora um espelho d’água, ora uma imensidão de aguas que o vento encapelava, de leve mas de modo contínuo e incômodo. Um Lago no meu quintal.

Abaixo, à direita, e bem mais longe: O minhocão, antes dele, os predinhos da colina.

Aqui, onde agora me lembro, onde me vejo: Meu barraco, meu abrigo.

Casa frágil, tosca, maltrapilha heroína que me abriga com mulher e filha. Telhadinho frágil que mal suporta os ventos daqui. Paredes de tábuas velhas, que já adquiri velhas e com elas te fiz. Chão de cimento vermelho, (ah, como foi difícil te obter). Orgulho de meus orgulhos, componente mais nobre de minha pobre casa. Janelas que são nacos da própria parede segmentada, articuladas de um lado; contidas por taramelas também de madeira; fechando para nos aquecer e abrindo-se para nos mostrar o lago ao longe.

Varandinha cambembe coberta de telhas furadas de zinco; banheirinho exíguo de paredes baixas capazes de nos esconder só até os ombros. Rego d’água por trás da casa fervilhando de minhocas. Iscas que as tilápias do lago adoravam.

Cerrado seco, amarelado; chão de cascalho entrecortado de sulcos rasos que são caminhos das aguas e que também são meus pois me levam ao lago.

Lago amigo, aceitavelmente poluído, cheio de peixes e gentes em busca de sossego, alegrias, sustento ou, simplesmente, molhar os pés.

Lembranças voam.

Já é noite!... Não o começo da noite, mas noite alta. Noite tempestuosa. Um vento forte balançando meu telhado e ameaçando arrancá-lo das frágeis paredes de tábuas e dos caibros improvisados. E os brum-brum-bruns de trovões que reboam pertíssimos de nós; e os Zap-traps luminosos e fortíssimos de raios que cruzam o ar e estalam ora no céu, ora rentes ao nosso teto; e os relâmpagos que se sucedem ou se completam, tal a frequência com que ocorrem, um atingindo o clímax de sua luminosidade quando o outro ainda não se apagou de todo.

A chuva cai lá fora pesada, bate furiosamente em meu telhado que, resiste no todo, mas cede neste, naquele e em vários pontos. E, sobre a nossa cama, a chuva pinga cruel, intermitente e fria; em forma de goteiras.

A menina chora.

A energia acabou. Não a dos elementos naturais, mas a que o homem domesticou e encanou em fios de cobre.

Acendo uma vela e olho os rostos que me cercam,

Minha esposa tem uns olhinhos redondos de medo e uma leve palidez de assombro, mas procura aparentar calma, e faz um comentário despretensioso sobre a chuva.

A criança, sem compromissos nem raciocínios que a faça engolir os medos, chora e trata de subir na minha cama.

A vela acesa, por si só já é capaz de acalmar os relâmpagos em seus clarões.

A mesma vela, uso para invocar os santos em nosso auxílio.

Arrasto a cama para um canto do quarto onde a goteiras não caem, aninho a família num lugar seco da cama; deixo a vela acesa para amenizar os relâmpagos e começo a cantarolar uma história musicada para distrair nossas mentes e disfarçar os barulhos, principalmente os dos trovões que são os que mais nos assustam.

Com algum tempo, muito longo para nós; os santos finalmente se condoem; a chuva acalma, as faces descontraem-se, o sono chega e envolve a ninhada.

O tempo passa lentamente e leva a noite embora.

Tempos de UnB. (1971?)


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